quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Tempos de Paz. O texto é a alma do negócio (cinema)!


Tempos de Paz é um filme que merece ser visto. Um drama cuja força está no texto. E é fácil entender porque. O texto original, "Novas Diretrizes para Tempos de Paz", nasceu como teatro quando seu autor Bosco Brasil participa do Projeto de Dramaturgia do Teatro Ágora em novembro de 2001. Era um momento de experimentar linguagens e o texto experimentou emoções e conflitos. O texto é curto de apenas uma hora. Assisti ao espetáculo quando este ocupou o Theatro São Pedro em 2004, em Porto Alegre, com Tony Ramos e Dan Stulbach. E agora tive a oportunidade de assistir ao filme. Tudo se passa em 18 abril de 1945 no Rio de Janeiro quando o polonês Clausewitz desembarga fugindo da europa em guerra ao lado de outros que também fugiam. O Brasil era o local escolhido por Clausewitz por que sua lingua, o português do Brasil é sonora, cheia de balanço e portanto bonita. Um povo que fale essa lingua tem de ser um povo especial com o qual queria contribuir com seus braços como agricultor. Nesse dia o Brasil era um caos. Os aliados tinham vencido a guerra mas o armistício ainda não havia sido assinado. Com a derrota do nazifascismo Getulio Vargas anistia os presos políticos e ninguém da polícia politica sabe como agir. Foram anos caçando e torturando os opositores do regime que ao solta-los a burocracia repressiva está perplexa a espera de novas diretrizes para tempos de paz. Ao passar pela alfândega e demonstrando seu entusiasmo, esperança com a terra escolhida e exibindo seu português auto didata Clausewitz chama atenção da polícia portuária e o levam o entusiasmado polonês ao comissário do porto Segismundo. E a partir daí é um duelo de diálogos e emoções pouco visto no cinema que sempre careceu de bons diálogos. Frente a frente os dois personagens buscam construir sua identidade em uma nova situação. Segismundo um torturador que por sua ocupação se vê sozinho num novo mundo de liberdade onde ele não tem lugar e o pouco que resta de autoritarismo exerce naquele pobre Clausewitz. Este desacreditado com o velho mundo vem ao novo construir sua nova vida e identidade. Do velho mundo ele não quer nada e por isso troca de profissão, deixa de ator para ser agricultor. O Brasil precisa de braços para a agricultura repete Clausewitz várias vezes diante de Segismundo. O Filme é um adereço, uma moldura para que Toni Ramos (Segismundo) e Dan Stulbach (Clausewitz) defendam seus personagens. Um Tour de Force, uma queda de braço de interpretação. Os dois atuam juntos desde 2002 quando estrearam na Casa de Cultura Laura Alvim e percorreram o Brasil com o espetáculo. Dan está há mais tempo. Foi ele quem em novembro 2002 estreou no Ágora e no papel de Segismundo teve primeiro Jairo Mattos e depois Paschoal da Conceição. Só no ano seguinte é o texto volta a ser montado quando Toni Ramos busca um novo texto para montar e encontra Dan Stulbach e Novas Diretrizes em Tempos de Paz. Com o sucesso do espetáculo no teatro estimula Daniel Filho a transforma-lo em filme. Com câmera mais próxima dos atores do que os olhos de uma platéia de teatro pode-se perceber que depois de tantas apresentações Toni e Dan refinaram seus personagens onde qualquer gesto ou expressão facial pertencem aos personagens e não aos atores. O impasse dos dois personagens só se resolve quando Clausewitz declama o texto “ A Vida é um Sonho” de Calderon de La Barca para Segismundo que nunca tinha ido ao teatro. E nesse momento teatro redime os dois personagens e é a prova de amor ao teatro do autor Bosco Brasil. Ou seja, o filme é uma manifestação de amor ao teatro, mas pela via indireta, utiliza como pano de fundo os destrosos do final da 2ª Guerra Mundial para no final deleitar o espectador com um verdadeiro teatro. Todos somos atores com suas lembranças, memórias e histórias. Belo filme, belo elenco e bela transposição para o teatro!

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