A Decisão: Grupo Trilho. Foto: Ana Mendes |
“De todas as coisas seguras, a mais segura é a dúvida”. B.B
O Blog Válvula de Escape, segue com a série de entrevistas com diversos profissionais das Artes Cênicas do estado e do Brasil, dentro do projeto "DIÁLOGOS PARA ESCAPAR". Projeto que pretende utilizar este espaço para deixar escapar a voz dos arquitetos da cena atual. E nesta edição, postamos a entrevista de Fábio Castilhos, realizada via e-mail por Diego Ferreira. Fábio Castilhos é ator/diretor/dramaturgo e integrante do Grupo Trilho de Teatro Popular de Porto Alegre juntamente com outros artistas. Graduado em Teatro pela Uergs e pelo TEPA, foi contemplado com o Troféu Tibicuera de Teatro 2011 em duas categorias: Dramaturgia e Direção. Dentre seus últimos trabalhos estão "O Baú - Brincanças e Lembranças", "A Decisão" de B. Brecht e "Ela - A Vespa Libertada".
1. Quando
e como iniciou a sua trajetória teatral?
Meu
primeiro contato foi na escola em 1997. Na sétima e oitava série do Ensino
Fundamental a disciplina de artes visuais era substituída pela de teatro. Eu
curtia muito aquelas aulas, com a professora Sônia Pellegrino, que infelizmente
faleceu. Depois, em 2002, tendo encerrado o Ensino Médio, não passei no
vestibular (para Ciências Sociais) e fiquei meio perdido. Quase sem querer me
inscrevi num curso de teatro para iniciantes com o Zé Adão Barbosa. Daí em
diante não parei mais.
2. Como
se deu a sua formação?
Depois
desse primeiro curso com o Zé Adão, entrei no curso de Formação de Atores do
Tepa (Teatro Escola de Porto Alegre) no ano de 2003. Neste curso tive aulas com
o próprio Zé Adão, o Luiz Paulo Vasconcellos e a Jezebel De Carli. Através da
Jezebel conheci a UERGS, prestei o vestibular e passei. Isso em 2004. Formei-me
no curso de Graduação em Teatro: Licenciatura (o curso inicialmente se chamava
Pedagogia da Arte) em 2007.
3. Atuar
ou dirigir?
Os
dois! As duas coisas me dão prazer, me divertem. Talvez, daqui alguns anos eu
dirija mais do que atue, sempre acho que isso possa acontecer, mas por enquanto
isso não me preocupa.
4. Qual
o papel da universidade na formação de um artista?
Na
minha formação foi essencial. Lá eu tive oportunidade de conhecer diversas
práticas e teorias. Existe uma metodologia, um caminho. Aí, tu podes escolher
qual vai seguir. Porém não é o único caminho. Acho que fora da academia a busca
por teoria é mais difícil, a universidade facilita esse acesso. Acho que é
isso, a universidade funciona como uma facilitadora, ela te oferece caminhos,
possibilidades, mas não basta, tu tens que ir além, ela não te transforma num
artista.
Cleo e Clea. Direção Heitor Schmidt. |
5. Grupo
de Teatro ou Teatro de Grupo? Fale sobre o Grupo Trilho?
Eu
acredito muito no Teatro de Grupo. Na verdade, pouco importa a nomenclatura, o
que importa mesmo é como se dá o processo de trabalho, como funciona e são
estabelecidas as relações. Eu não consigo pensar o teatro em uma função só. Se
estiver atuando quero interferir na luz, no figurino, na dramaturgia, enfim a
criação deve ser coletiva. Mesmo que haja funções (diretor, cenógrafo, etc.)
elas devem dialogar, sem hierarquia, é o que costumam chamar de criação
colaborativa.
Outra
questão que acho importante em um coletivo é que as pessoas acabam criando
objetivos muito próximos, laços artísticos. Numa companhia, onde as pessoas são
contratadas, os objetivos são muito diferentes, o diretor quer fazer a sua
peça, o ator quer “brilhar”, tem muito mais “ego” envolvido. No grupo essa
questão do ego fica mais diluída, pois o objetivo é do coletivo e não somente
do indivíduo.
O Trilho é um grupo que migra entre
criações coletivas e colaborativas, dependendo do objetivo que temos. Cada
integrante tem algumas funções que desempenha, mas nada é absolutamente
fechado, do tipo fulano só faz isso, sicrano só faz aquilo. Vamos criando e nos
organizando da forma que melhor possamos cumprir os objetivos que traçamos.
6. Em
2011 o Grupo Trilho experimentou pela primeira vez direcionar o seu trabalho ao
público infantil. Como foi esta experiência, qual foi à premissa?
Partimos
de uma necessidade. De uma não, de várias. A primeira era que quando fazíamos
espetáculos no nosso espaço, o Grêmio Esportivo e Cultural Ferrinho, quem ia
assistir eram as crianças, elas que insistiam e os pais acabavam acompanhando.
Só que as peças eram adultas e até pesadas para elas. Daí pensamos: precisamos
fazer algo para essas crianças. Outra necessidade foi que todos nós do grupo
também somos educadores e trabalhamos com crianças, enfim vários outros
pormenores nos levaram a pensar num trabalho para o público infantil.
E
a experiência começou justamente aí. Sabíamos que eu iria dirigir e trabalhar
na construção da dramaturgia e que a Caroline Falero e a Giovanna Zottis iriam
atuar, e só. Não tínhamos ideia de texto, nem de um tema. Começamos
improvisando muitas coisas e aos poucos a peça foi aparecendo. O processo todo
durou oito meses. Foi uma experiência incrível, as atrizes se divertiram muito
durante o processo, a ideia era essa. Mas eu não. Quer dizer, é claro que eu me
diverti, mas teve momentos muito difíceis que eu não tinha a menor ideia de
onde aquilo ia parar. Mas foi muito gratificante, por que foi um processo de
criação muito livre, que eu tinha muita vontade de experimentar.
7. O
que o teatro político, Brecht e a periferia do Humaitá contribuíram para a
construção da dramaturgia de “O Baú”?
Contribuíram
por que esses elementos estão na nossa gênese, na nossa pele, na nossa alma.
Eles são geradores da nossa estética, da nossa ética. Não conseguiríamos fazer
uma peça para as crianças que fosse apenas “bonitinha” e “engraçadinha”. De
alguma forma nós temos de cutucar o espectador, seja ele adulto ou criança. E
eu creio que conseguimos fazer isso. Tanto crianças como adultos saem de “O Baú
– Lembranças & Brincanças” com dúvidas, com anseios. O espectador se
diverte, mas pensa também. E isso é um grande barato.
8. A
trajetória do Trilho e a tua são marcadas pela presença do teatro político
sendo influenciado pelo teatro e teorias de Brecht. Quando descobriu Brecht e
qual a real importância dele no seu trabalho e na sua identidade?
Descobri
de fato o Brecht durante o segundo semestre na Uergs. Eu fui morar em Montenegro
e vivia para o curso. Virei rato de biblioteca. Li todas as suas peças. Li
inicialmente como um curioso, mas desde o inicio eu me interessei muito pela
sua obra. Ele tocava em assuntos que me interessavam, e que até então eu não
tinha visto muito no teatro. Aos poucos fui me aprofundando mais sobre o seu
trabalho, suas teorias. Não sou um especialista em Brecht, tenho muito ainda
que conhecer sobre o seu trabalho, mas ele realmente me instiga e me interessa.
9. O
grupo Trilho carrega em seu nome “Teatro Popular”, ou seja, Grupo Trilho de
Teatro Popular. Como você enxerga e pratica este “teatro popular” dentro do
grupo e como define este termo em seu trabalho. Quais questões políticas,
estéticas ou sociais permanecem na cena atual?
Bom,
teatro popular é um termo bem complexo e até perigoso, pois ele pode significar
muitas coisas. Dentro do Trilho, é até bem claro o porquê dele no nome. É
“popular” primeiro por que trabalhamos na periferia de Porto Alegre. Em segundo
lugar por que pensamos em ações que tenham um cunho sócio-político, que a arte
tem como função colocar em dúvida esse sistema desigual em que vivemos,
criticá-lo nos mais diversos âmbitos da sociedade. Acho que tem uma frase do
Brecht que resume muito bem essa questão: “A arte deve optar, pode se
transformar no instrumento de alguns que diante da maioria assumem um papel de
deuses e do destino ou pode aliar-se a grande maioria transformando-se em arma
a serviço do povo”. A nossa estética, poética e ética está totalmente
interligada com esse pensamento.
Ela - A Vespa Libertada, Grupo Trilho |
10. Como
se dá o processo de trabalho do Grupo Trilho? Quais são suas principais
influências?
Como
eu disse anteriormente o processo de trabalho do grupo é meio mutante, se
modifica na medida em que achamos necessário, mas sempre democrático, sem
estabelecer hierarquias, baseado no coletivo. É claro que algumas coisas vão se
estabelecendo naturalmente. Um exemplo é justamente as influências do Trilho. A
sua principal influência é o Bertolt Brecht, mas cada integrante carrega
consigo as suas influências, que acabam afetando os outros integrantes, numa
reação em cadeia. E
nessa amálgama toda vou citar alguns nomes que me influenciam e que de alguma
forma influenciam o Trilho também: Grotowski, Peter Brook, Augusto Boal,
Oduvaldo Vianna Filho, Oi Nóis Aqui Traveiz, Cia. do Latão.
11. Quais profissionais gaúchos e nacionais tu
destacaria, que contribuem para um teatro mais forte e engajado? (Ator/atriz,
diretores, teóricos, etc...)
Bom, pensando em engajamento, que, aliás, é uma
palavra que eu não gosto, prefiro crítico, na cena gaúcha não poderia deixar de
citar o “Oi Nóis Aqui Traveiz”. Outros grupos muito bacanas são a “Cia. do
Latão”, “Brava Companhia”, “Teatro Máquina”. O Sérgio de Carvalho, que é
diretor da Cia. do Latão, pode ser citado como um grande teórico também. Assim
como a Iná Camargo Costa, a Stella Fisher (que é atriz também), a Ingrid
Koudela.
12. Falando
em política... Como você vê as políticas públicas voltadas para o incentivo da
cultura em âmbito municipal, estadual e federal?
É
ruim, já foi pior, ainda tem muito que melhorar. Falta investimento, falta um
critério de avaliação melhor formulado, falta diversificar as áreas de atuação,
os repasses não podem atrasar, a “burrocracia” deve ser diminuída, os
incentivos fiscais devem ser repensados, enfim, num país onde pessoas morrem de
fome, morrem em filas de hospitais, que a educação pública é sucateada e que
políticos roubam a vontade e ficam impunes, já era de se esperar que a cultura
ficasse relegada ao décimo plano.
13. Como
você enxerga a atual cena gaúcha? Quais grupos e cias têm desenvolvidos
projetos bacanas e o que falta para o teatro gaúcho?
Bastante
diversificada e em expansão. Grupos do interior ganhando força como o Teatro do
Clã de Montenegro e o Ueba Produtos Notáveis de Caxias, só para citar dois. Já
em Porto Alegre temos alguns grupos que vem desenvolvendo um trabalho
continuado que merecem atenção, alguns antigos, outros mais novos, como o Oi
Nóis, a Santa Estação, o Teatro Sarcaústico, a Cia Rústica, o Grupo Mototóti, entre
outros.
O
que falta é os trabalhos serem mais bem aprofundados. Até por uma questão de
mercado, monta-se muito rápido um trabalho, a peça cumpre uma, duas temporadas
no máximo, circula durante um ano (quando muito) e deu, acabou. Vem outro
prêmio para montagem e o ciclo recomeça. Não há trabalho que consiga ter um
aprofundamento maior. É um problema dos financiamentos, que geralmente são para
montagem e pouco para circulação ou fomento de um grupo.
O Baú - Lembranças e Brincanças. Direção Fábio Castilhos. Grupo Trilho Foto: Bárbara Ferraz |
14. Ano
passado o espetáculo “O Baú – Brincanças e Lembranças” teve grande aceitação do
público e critica e indicado ao Prêmio Tibicuera e você foi premiado como
Diretor e Dramaturgo. Como você recebeu estes prêmios e se prêmios como este
ajudam em alguma coisa?
Eu
fiquei muito feliz e surpreendido com os prêmios. O prêmio de dramaturgia até
tinha uma esperança, mas diretor eu era o azarão. Quando a gente começa um
trabalho não pensa em prêmios, se vai agradar, se está adequado para isso.
Porém ganhar um prêmio é muito bom, dá um “selo de qualidade” para o trabalho,
é um reconhecimento. O grupo ficou um pouco mais conhecido, a peça, e eu
também. Sabe que depois dos prêmios muitas pessoas, amigos, conhecidos, já
fizeram essa pergunta, e eu sempre respondo brincando: “Antes eu era um
Zé-Ninguém... Agora eu sou um Zé-Ninguém premiado!”
15. Quais
os teus próximos projetos junto ao Trilho? Nova temporada e novos espetáculos?
O
principal objetivo por enquanto é fazer o Baú circular. Temos uma nova
temporada no Teatro Bruno Kiefer, na Casa de Cultura Mario Quintana (26/05 a
24/06, sábados e domingos, 16h) e algumas apresentações agendadas. Estamos
tentando manter uma tradição que é no aniversário do Ferrinho fazermos uma
programação de apresentações lá no espaço, que batizamos de “Estação Ferrinho”.
Em 2010 foi muito bacana, foram 5 dias de apresentações, seminário, coquetel,
show de música. 2011 estávamos em plena temporada e não conseguimos fazer um
evento tão grande, mas não deixamos passar em branco. Este ano queremos retomar
pelo menos os mesmos 5 dias de 2010.
E
também estamos treinando algumas vezes, lendo coisas, com calma, talvez daí
surja algo novo. Por enquanto novo espetáculo mesmo só no plano das idéias, não
temos ainda uma previsão para um novo trabalho.
16. O
que te faz ESCAPAR tratando-se de teatro?
Assistir
a uma boa peça, estar num processo de criação e participar de uma boa oficina
de teatro. Aí eu escapo, pra bem longe!
As Criadas. Direção Bruna Immich. Foto: Kiran |
17. Alguma vez já pensou em desistir?
Já, muitas vezes. Mas daí me dou conta que não sei
fazer outra coisa, então desisto de desistir.
18. Futuro?
Estar
com o Trilho, bem constituído, com o nosso espaço, o Ferrinho, a pleno vapor,
dirigindo, atuando, escrevendo, ensinando, aprendendo. Tenho vontade também de
experimentar outras linguagens, como cinema e dança e tudo mais que esse tal
futuro possa me reservar.
19. Gostaria
de deixar algo especial para encerrar esta entrevista?
Gostaria de agradecer
muito o teu convite, foi uma experiência muito legal. Quem quiser conhecer mais
sobre o Trilho, acessa www.grupotrilho.com.br
E pra finalizar uma
frase do mestre Bertolt: “De todas as coisas seguras, a mais segura é a
dúvida”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário