ESTREIA 2010
O romance “A Hora da
Estrela”, de Clarice Lispector foi o nosso mote principal de pesquisa. Escrito
em 1977 fascina por sua escrita envolvente. E o que nos moveu foi a grande
potencialidade cênica contida nesta obra. Encaramos o desafio de levar a cena
um texto que não foi feito para ser encenado. Procuramos evidenciar aquilo que
é cênico, tentando não perder a força do original, mas também tentando nos
libertar frente ao texto, nos permitindo criar sentidos ao invés de explicações
literárias.
“Assovio
no vento escuro” é o primeiro trabalho do Grupo Válvula
de Escape, resultado de 10 meses de intensa pesquisa e ensaios. O grupo foi
fundado em janeiro de 2010, a partir da união de artistas oriundos da
Uergs. O nosso propósito é o de
pesquisar e compartilhar questões sobre o teatro contemporâneo. Dentro da nossa
“Válvula” estão inseridos e misturados artistas com diversas formações,
estudantes, atores, professores, artistas visuais, figurinistas, filósofos e um
diretor, colaborando para criar uma diversidade de linguagens, enriquecendo o
nosso trabalho. O grupo é um pólo constante de discussão e produção de teatro,
que neste ano dividiu suas atividades em: pesquisa e estudo teórico sobre a
história do teatro, compartilhamento através de um workshop e uma oficina de
iniciação teatral, criação e ensaios do espetáculo “Assovio...”, além de manter
um blog onde são discutidos temas sobre a arte teatral. Além de marcar a
estréia do grupo, marca também a estréia de um novo espaço de encenação em
Montenegro, o porão da Estação da Cultura. Trata-se da ocupação de um espaço
público, que serviu para a gestação de um processo criativo em teatro. A
utilização do espaço foi crucial neste processo, pois o que inicialmente era
para resultar em uma montagem para espaço tradicional, acabou transformando-se
num espetáculo onde o espaço é o principal atrativo. Ao longo do ano, focamos a
pesquisa na teatralização de espaços não-convencionais, pesquisa esta que nos
ajudou muito a entender e utilizar este fundamental espaço de arte e cultura de
nossa cidade. Exploramos todo o porão da
Estação e seus arredores. O resultado é espetáculo
onde o espectador está dentro da ação da peça, vivenciando e participando
ativamente do espetáculo.
Tão tortuoso é o trajeto de um processo de criação, há
momentos insuspeitados, divertidos, desafiadores, de perdas e também ganhos, tanto
de incertezas e invisível, de buscar seu colega e arriscar-se, abandonar o
medo, as amarras, as lógicas, o querer. Deixar tudo pra trás, deixar-se ir,
abandonar-se ao desconhecido, ouvir, silenciar.
A magia do teatro está
nessa ocasião ímpar de encontro, que não é dada ou certa, nem para o ator nem
ao espectador.
“Assovio no vento escuro” é uma releitura de uma obra
clássica da literatura brasileira, é a nossa visão acerca da vida de Macabéa,
uma retirante nordestina semi-analfabeta, que era incompetente para a vida. Trata-se
de uma história de inocência, de uma história de anonimato, de uma história de
preconceitos. Fica apenas a constatação de que cada ser é um fragmento ou parte de algo.
A
encenação parte de dois estímulos: Primeiro do enigmático texto de Clarice
Lispector, que não é um texto dramático, é um texto literário. Aí já tínhamos
um problema a ser sanado, de como transformar a palavra em ações, de como
transformar literatura em teatro. Talvez este fosse a nossa grande dificuldade
deste projeto, de como adaptar uma obra literária para o teatro sem que isto
signifique desqualificar o original do autor. No momento em que iniciamos a
adaptação do texto, já estávamos tornando os escritos da Clarice nossos, ou
seja, começamos a “operar” o texto, retirar a narração e transformar o que era
narrativo em dramático, no sentido de construir diálogos, relações entre
personagens e criar imagens. O roteiro inicial tinha um pouco mais de trinta
páginas, o segundo já se resumiu a vinte páginas, e a cada nova revisão do
roteiro, e na medida em que vamos materializando o espetáculo, mais textos eram
suprimidos e outros inseridos, assim como fragmentos de textos de outros
autores. Mas nada está finalizado, a menos de um
mês de nossa estréia, o roteiro continua em plena transformação, sofrendo
mudanças a cada ensaio. Atualmente o roteiro resume-se a onze páginas, ou seja,
a dramaturgia textual resume-se a algumas páginas, mas somados ao texto temos a
dramaturgia do espaço, a dramaturgia da sonoridade, a dramaturgia dos corpos e
a dramaturgia da encenação, ou seja, dramaturgia(s).
Iniciamos
o nosso trabalho com a leitura individual do livro “A hora da estrela”, em
seguida partindo para leituras coletivas. Paralelo a este trabalho, realizamos
leituras de bibliografias e artigos relacionados à vida e obra de Clarice
Lispector e artigos sobre o trabalho do ator, assim como estudos acerca do uso
de espaços teatrais não convencionais.
Nosso
segundo estímulo foi o de fazer a concepção do espetáculo, pensamos em
pesquisar sobre a teatralidade, desmitificando o jogo teatral, usando uma
metalinguagem na criação da peça, inicialmente pensada para o palco. Mas à
medida que avançávamos, percebíamos que as soluções encontradas no processo nos
levavam a outro tipo de concepção, foi quando resolvemos assumir o espaço do
porão da Estação da Cultura, pois este espaço é a nossa atual sede, local de
ensaios e encontros, então porque não aproveitar este espaço e realizar a
encenação no próprio espaço onde ensaiávamos, facilitando assim nossa relação e
aproveitamento com o espaço.
Diante
disso, apostamos nessa relação com o espaço e com o público, investigando a
relação do ator x espectadores, ator x texto e ainda de quebra apresentar um
novo espaço possível de encenação na cidade, cidade das artes, porém com
escassos espaços de ensaios e apresentações para os grupos artísticos da cidade.
Agora
é esperar a chegada do público para que o momento mágico do teatro aconteça,
pois sem ele não há magia teatral.
“Não, não é fácil
escrever. É duro como quebrar rochas. Mas voam faíscas e lascas como aços
espelhados. Ah que medo de começar e ainda nem sequer sei o nome da moça. Sem
falar que a história me desespera por ser simples demais. O que me proponho a
contar parece fácil e á mão de todos. Mas a sua elaboração é muito difícil.
Pois tenho que tornar nítido o que está quase apagado e que mal vejo. Com mãos
de dedos duros enlameados apalpar o invisível na própria lama. (Clarice
Lispector)”
FICHA TÉCNICA
Baseado
na obra “A Hora da Estrela” de Clarice Lispector.
Textos
de Clarice Lispector
Direção e Dramaturgia:
Diego Ferreira
Assistente de Direção:
Fabrizío Rodrigues
Elenco: Ana
Denise Ulrich, André Susin, Leonardo Nunes, Lucimaura Rodrigues, Martina
Nichel, Tuane Tain Bessi e Elton Ambrozí.
Ambientação Cenográfica: Diego
Ferreira
Trilha Sonora executada ao vivo:
Elton Ambrozí
Trilha Sonora Pesquisada:
Diego Ferreira.
Iluminação: Diego
Ferreira.
Instalações Elétricas: André
Susin
Figurinos:
Válvula de Escape.
Execução de Figurinos:
Solange Modena
Projeto Gráfico:
Daiane Göessling Ferreira
Assessoria Filosófica e
Dramatúrgica: André Susin
Contra-regra:
Diego Ferreira, André Susin e Elton
Produção e Divulgação:
Diego Ferreira e Grupo