segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

DRAMATURGIA EM FOCO: ARISTÓFANES



Aristófanes, o mais famoso comediógrafo da Antigüidade grega e até hoje apreciado por leitores e espectadores incontáveis, nasceu em Atenas apro­ximadamente em 455 a.C., e lá morreu em torno de 375 a.C. Das 44 comédias por ele escritas chegaram até nossos dias 11: Os acarnenses, estreada em 425 a.C.; Os cavaleiros (424); As Nuvens (423); As vespas (422); A paz (421); Os pássaros (414); A greve do sexo (ou Lisístrata, 411); Só para mulheres ; As rãs (405); A revo­lução das mulheres (ou Eclesiazusas, 392) e Um deus chamado dinheiro (ou Pluto, 388).
Na época de Aristófanes a comédia correspondia de certo modo à imprensa, e nela eram criticadas as instituições, os políticos de um modo geral e principalmente os corruptos, os abusos de autoridade, as peças de teatro etc. A linguagem da comédia era desabrida e contundente, muito diferente da tragédia, à exceção do lirismo de alguns coros encantadores. Havia comunicação direta entre o autor e os espectadores, por meio do corifeu, que se dirigia à platéia em nome do autor na parábase (à exceção das últimas peças que, devido aos governos discricionários impostos após a derrota dos atenienses pelo espartanos, não tinham essa parte).

AS COMÉDIAS TRADUZIDAS

1 — As Nuvens. Strepsiades, um fazendeiro idoso, estava sendo arrui­nado por sua mulher, de família rica, e por seu filho Fidipides, fanático por carros e cavalos. Strepsiades ouviu falar em Sócrates, um filósofo que por seus sofismas era capaz de fazer a causa pior parecer a melhor, e ficou esperançoso de poder enganar seus credores valendo-se dos ensinamentos socráticos. Em face da recusa de seu filho de entrar para a escola de Sócrates (o “Pensatório”, ou ‘Oficina de Pensamento”), Strepsiades toma a decisão de ele próprio freqüentá-la. Lá, é apresentado por Sócrates às Nuvens, as verdadeiras divindades causadoras dos trovões e das chuvas (e não Zeus, o deus maior dos gregos, como se supunha). Strepsiades, todavia, de tão simplório e preocupado com suas dívidas, nada consegue aprender. e Fidipides toma o seu lugar de aluno. Sócrates entrega Fidipides ao Raciocínio Justo e ao Raciocínio Injusto para receber lições diretamente deles. Há um debate entre os dois Raciocínios, no qual o vencedor é o Raciocínio Injusto. Com a ajuda das lições recebidas por Fidipides, Strep­siades consegue livrar-se de seus credores. Mas a situação vira-se contra ele quando, valendo-se das mesmas lições, Fidipides passa a espancar o pai e prova que, agindo assim, está fazendo apenas justiça. Desgostoso com a situação, Strepsiades incendeia o Pensatório, para desespero dos demais discípulos de Sócrates.
Muito provavelmente esta comédia de Aristófanes influiu no julgamen­to de Sócrates e em sua condenação à morte.

2 — Só para mulheres. As mulheres de Atenas estão preparadas para celebrar sua festa — as Tesmoforias —, da qual os homens não podiam participar. Eurípides foi informado de que as mulheres, enfurecidas com as reiteradas acusações em suas peças sobre o caráter e a maldade do sexo feminino, estavam tramando sua morte. Ele tenta convencer Agaton, um tragediógrafo efeminado, a participar da festa vestido de mulher e defender sua causa. Agaton recusa-se e diante disso Mnesfioco, sogro de Eurípides, oferece-se corajosamente a ir em seu lugar. Devidamente barbeado, depi­lado e vestido de mulher, Mnesíloco dirige-se à festa das mulheres. Ou­vem-se discursos inflamados contra Eurípides; Mnesíloco toma sua defe­sa, mencionando o número ainda maior de coisas que o poeta trágico poderia ter dito sobre as mulheres sem faltar à verdade. A indignação geral causada pela fala de Mnesíloco é interrompida pela chegada de notícias de que um homem havia penetrado na festa disfarçado de mulher. Reali­za-se um interrogatório e Mnesíloco é descoberto e preso. Imitando o herói de uma das peças de Eurípides, Minesfloco escreve uma mensagem em quadros votivos do templo e a lança ao ar. Ele passa a representar o papel de Helena, e Eurípides, que chegava para ajudá-lo, aparece como Menelau. Há uma cena de reconhecimento no estilo das de Eurípides em suas tragédias, mas uma mulher da guarda impede o encontro dos dois. Um policial chega em seguida e agrilhoa Mnesíloco. Eurípides passa a falar como se fosse Perseu, e Mnesíloco fala como se fosse Andrômeda numa tragédia de Eurípides, acorrentada a uma rocha, mas o policial evita a tentativa de ajuda. Afinal, Eurípides propõe condições às mulheres para uma reconciliação: ele nunca mais falará mal delas se libertarem seu sogro. As mulheres concordam, porém resta convencer o soldado que detinha Mnesíloco. Essa tentativa é bem-sucedida graças a uma bonita dançarina, que atrai o soldado para longe de seu posto, tornando possível a fuga de Mnesíloco.

3 — Um deus chamado dinheiro. Crêmilo está de tal maneira indignado ao ver ricos desonestos por todos os lados, enquanto ele mesmo é honesto e pobre, que consulta o oráculo de Apolo para saber se deveria ou não educar seu filho como um trapaceiro. O deus aconselha-o a seguir a primeira pessoa que encontre ao deixar o santuário e levá-la para ir morar com ele em sua casa. Essa pessoa é um velho cego que, sob pressão de ameaças, revela sua identidade: trata-se de Pluto, o deus da riqueza, que Zeus cegara por estar desgostoso com os homens. Crêmilo decide obter a cura da cegueira de Pluto, de tal maneira que ele possa evitar as pessoas más e enriquecer apenas as virtuosas. Pluto teme a vingança de Zeus, porém convence-se logo de que é realmente mais poderoso que o próprio Zeus, e deixa-se levar até o templo de Asclépio, deus-médico, para ser curado. A Pobreza intervém e tenta convencer Crêmilo a desistir de sua idéia, alertando-o para as conseqüências desastrosas de sua decisão, pois a pobreza é a fonte de todas as virtudes e a força motriz de todo esforço humano e causa da grandeza da Hélade. Mas Crêmilo não se deixa per­suadir. A sessão de cura no templo de Asclépio é descrita hilariantemente e Pluto, já com a visão recuperada, volta à casa de Crêmilo, que agora ficara rico. Chegam em seguida numerosos visitantes: um homem honesto, que fora pobre durante muito tempo e agora está próspero, desejoso de consagrar ao deus seu manto e suas sandálias velhas e estragadas; um sicofante, indignado por estar reduzido à ruma; uma velha, abandonada pelo gigolô que antes a adulava para explorá-la; o deus Hermes, que agora nada obtém no céu para comer e procura emprego na terra; e finalmente o próprio sacerdote de Zeus, também na iminência de morrer de fome.
Esta comédia foi a última de Aristófanes, o “enfant terrible” das Musas, e já se aproxima das características da Comédia Intermediária. 
Muitos contemporâneos de Aristófanes não lhe deram o devido valor, pois só lhe concederam a palma da vitória nos concursos oficiais de comédias em três de suas peças conservadas: Os acarnenses, Os cavaleiros e As rãs.
Um deles, porém (talvez o mais ilustre), prestou-lhe uma homenagem consagradora, que os leitores e espectadores de suas obras vêm reiterando há quase dois milênios e meio. Platão. o mais famoso ateniense da época, dedicou-lhe um epigrama que chegou até nós:
“As Graças procuravam um altar perene;
acharam-no na inteligência de Aristófanes.”
(Antologia grega, edição de Cougny, vol. III, p. 293, Paris, reimpressão de 1927)
Além de seu grande valor intrínseco, as comédias de Aristófanes são a fonte mais autêntica para a reconstrução dos detalhes da vida cotidiana em Atenas na época clássica.
Reproduzimos na tradução a linguagem forte do original, característica da Comédia Antiga, sem contribuir com qualquer acréscimo nosso.
Para As Nuvens seguimos principalmente o texto da edição anotada de
W. J. M. Starkie (reimpressão de 1966, Amsterdam, Adolph M. Hakkert).
Para as demais comédias valemo-nos geralmente do texto da edição de
Victor Coulon (Paris, ‘Les Befles Letras”, 2ª edição, 1934).

Rio, janeiro de 1995

Mário da Gama Kury

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