quinta-feira, 24 de março de 2011

OLHAR (es) DA CENA por CÁSSIO AZEREDO

Elton Ambrozí - Nosso músico-ator-performer em cena de "Assovio..."


Assovio em grupo ou sensibilidade em cena.
Impossível iniciar qualquer assovio sem reverenciar as válvulas criadoras destes sons. Digo isto porque falar deste espetáculo é antes de mais nada falar da própria formação deste grupo. Percebo que o interesse maior, anterior a montagem do espetáculo, é a construção de um grupo conciso que possa permanecer junto, crescer e se descobrir enquanto grupo. Isso me interessa tanto quanto o espetáculo. E digo isto porque acredito fielmente que teatro se faz em grupo. Não se trata apenas da montagem de um espetáculo, mas todo o entorno da criação. Concordo com Paulo José quando diz que
 “fazer teatro é uma coisa, montar peça é outra. (...) Fazer teatro é um processo contínuo no qual a peça em cartaz é apenas um aspecto de um trabalho que vai resultar em outro espetáculo, em outro em outro, desenvolvendo uma linguagem, uma temática, uma forma particular de fazer teatro. Montar uma peça é diferente é um fato isolado com elenco de várias procedências difícil de harmonizar. Quando a temporada acaba aquele elenco se desfaz cada um vai para um lado não sobra nada, talvez umas fotos uns recortes de jornal e só. Por isso eu costumo dizer que o teatro vivo só se realiza nos teatros de Grupo.”
E essa tentativa de fazer teatro de grupo se percebe no Escape. Até porque depois de finalizado o espetáculo me parece que o resultado mais importante são as vivências, as descobertas que o grupo experenciou. Ele que é a alma, a essência, a vertente criadora, agora está re-criado partindo em busca de novas experiências.
Errar ou acertar em um espetáculo tem menor peso quando se está em grupo. Até porque compreendo o espetáculo teatral como sendo imensamente tentativa, muitas vezes erro, e algumas vezes acerto... A questão central perpassa esses valores, pois são as tentativas que nos trazem os erros que por, sua vez, nos conduzem a mudar a direção e esbarrar em possíveis acertos e eles nos inspiram em novas tentativas. Este processo dinâmico me parece ser o mais interessante do fazer teatral, e isto se evidencia em teatros de grupo como no Válvula de Escape.
Agora sim, depois de uma breve reflexão acerca da poética deste grupo, me sinto mais a vontade para falar da cena, tarefa que me foi solicitada já há algum tempo.
Me chama a atenção a sensibilidade deste espetáculo. Assovio no Vento Escuro para além de nos contar a história de Macabéa, a retirante nordestina que tenta ganhar a vida no Rio de Janeiro, fala diretamente aos nossos sentidos. E isto se dá por vários fatores. Talvez o principal deles seja o local que é co-autor desta obra. Não consigo imaginar este espetáculo acontecendo em um lugar que não seja o porão da Estação da Cultura, teria que se reinventar completamente. As paredes de pedra, o chão e as janelas pequenas auxiliam na criação de sentido e transportam a nossa imaginação para além deste próprio espaço. Outro fator que auxilia na comunicação do espetáculo com os meus sentidos é a proximidade cênica. Estou geograficamente dentro do espaço-tempo proposto pelo espetáculo. Nesta condição eu sinto a respiração do ator, quase posso tocá-lo o que de alguma maneira me faz sentir parte da encenação. Quanto mais próximo o teatro estiver das pessoas evidenciando sua característica primordial que é ser uma arte da presença, melhor é. Diego faz isso muito bem e ao mesmo tempo não me joga em uma ilusão capaz de me privar da racionalidade, me mostra que estou vendo teatro. Uma cena em especial merece destaque para ilustrar este aspecto: o momento em que duas atrizes representam a personagem Macabéa criando uma multiplicidade de focos típicos do teatro contemporâneo. Destaco ainda o conjunto de atores. Sinto que eles estão recheados deste contexto que os segura e os sustenta e isso reverbera de forma positiva no espetáculo. Destaco também a atuação de Tuane Bessi (quando eu a conheci era apenas a Gabi!) que consegue me surpreender com um tom irônico, inocente e ao mesmo tempo denso. Obviamente é preciso mencionar os demais atores, como a Lucimaura que nos conduz firmemente nesta viajem e dita o ritmo desta melodia, o menino Leonardo Nunes, que tem uma cumplicidade muito forte no olhar, a Ana Denise Ulrich, que nos intimida com a sua cartomante, ou ainda a Martina Nichel que consegue me fazer sentir a Macabéa principalmente nas vírgulas, nas entrelinhas, nos tempos de silêncio. Poder-se-ia dizer que a trilha sonora apenas cumpriria sua função não fosse o acerto do diretor em expor o músico como parte integrante do todo.
Proponho ainda pensar um pouco sobre a questão da iluminação. Gosto dos abajures, mas algumas vezes eles deixam de cumprir a função primordial da iluminação que é tornar os atores visíveis ao público. Não se trata de ter uma luz cênica convencional, mas apenas direcioná-las com maior intensidade para a cena. Em alguns momentos sinto falta de dialogar com o espaço através da luz de forma que ela possa também auxiliar na criação de sentidos. Alguns focos de luz que surgissem das janelas (da rua para dentro), bem como valorizar através da luz alguns locais das paredes de pedra poderiam contribuir muito nesta construção. Destaco de forma positiva a “sensação barroca” que a iluminação cria, pois ela sempre direciona o meu olhar para onde é mais necessário. Se tivéssemos tempo sugeriria explorar este caminho como uma possível proposta de iluminação.   
Espero sinceramente que o espetáculo não encontre o seu fim prematuro nesta temporada. Algumas questões amadurecem somente com o tempo e com a prática e acredito que o espetáculo ainda tem muito a crescer. Recordo-me de uma frase de Pierre Soulages que diz “o que eu faço me esclarece o que eu procuro”, e neste aspecto o fazer ainda traria novas inquietações. Todavia, espero que a experiência deste assovio, reverbere no trabalho do grupo e que os sustente em novas escapadas!

Cássio Azeredo é ator, professor e diretor de teatro. Graduado em Teatro pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul e pós graduando em Metodologia do Ensino da Arte pela FACINTER. É fundador do Teatro do Clã e atualmente dirige o espetáculo O Rei Cego.

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