terça-feira, 27 de setembro de 2011

R&J SHAKESPEARE - JUVENTUDE INTERROMPIDA - Comentário Crítico

DRAMATURGIA X TEATRALIDADE



Ainda estou digerindo ao que assisti na semana passada no palco do Teatro Roberto Athayde Cardona em Montenegro. R&J Shakespeare - Juventude Interrompida. Gostaria de começar a analisar o espetáculo sob dois aspectos. Dramaturgia e Teatralidade.
Sob o ponto de vista dramatúrgico, diria que o texto do bardo é o principal atrativo, pois bem, diria, mas no caso desta montagem, existem várias possibilidades de dramaturgia(s): a dramaturgia do texto, que tem como interface a intertextualidade, mesclando a história doas amantes de Verona a história de quatro jovens alunos de uma rígida escola católica. O texto de Joe Calarco é uma recriação inventiva do texto de Shakespeare, que me faz relembrar a montagem que a Cia. dos Atores fez recriando outro texto de Shakespeare, "Hamlet", o espetáculo era "Ensaio.Hamlet", uma desconstrução e apropriação do texto do bardo inglês. Em Hamlet tínhamos uma recriação do texto, uma loucura com muitas possibilidades onde o texto do Shakespeare foi um pretexto para a criação de um espetáculo ousado, genial e criativo. Uma das montagens que eu mais gostei. Aqui, em "R&J..." Shakespeare triunfa, assim como toda a produção. O mote é o texto, mas as opções não se esgotam nele, pelo contrário, o texto é preenchido com ricas possibilidades cênicas, o "teatral" se instala na cena, de tal modo que o espectador embarca na proposta e se permite a compartilhar com aqueles alunos uma experiencia cheia de magia e rupturas. A teatralidade está em todos os detalhes da montagem, na proposta de desnudar a ilusão da cena, ou seja, sabemos que aquilo que estamos assistindo é teatro, são quatro alunos que estão representando os personagens de "Romeu e Julieta" e somos alertados a todo tempo desta condição meta-teatral, seja nas rupturas, nas transformações de um personagem para outro, nas inserções musicais ou até mesmo na utilização do belíssimo cenário. A teatralidade é muito latente, quando uma régua vira máscara, folhas de papel viram as flores do casamento, réguas são espadas e eu como espectador acredito, acredito e muito naquilo tudo, e se acredito é porque há VERDADE! E por falar em verdade, tem que se destacar o excelente elenco, os quatro atores são bárbaros e fazem milagre em cena. Mas não sei se serei injusto em destacar  o trabalho de Rodrigo Pandolfo, que faz o personagem de Julieta, além de outros personagens. O trabalho dele é impecável e intenso, alcançando uma verdade e coesão que seria difícil de algumas atrizes imprimir a esta personagem, pela força poética e entrega, sem exageros na interpretação. Todos os atores tem grandes momentos, mas Pandolfo rouba a cena. Tanto que o espetáculo foi quatro vezes aplaudido em cena aberta e ovacionado no final. O ator que faz a ama também tem grandes e divertidos momentos, assim como os demais. 
Mas não poderia encerrar sem parabenizar o diretor João Fonseca que soube explorar ao máximo todas as possibilidades da cena, uma encenação criativa, limpa, repleta de signos, mas, o mais significativo é que consegue colocar Shakespeare no seu devido lugar: nas graças do povo. Consegue manter um clima leve e potente na maior parte do espetáculo culminando na tragédia dos amantes de Verona, numa montagem eletrizante. Um dos melhores espetáculos dos últimos anos. 

3 comentários:

  1. Nossa Diego, impressiona a clareza e a lucidez com que escreves. Compactuo contigo. Sai e ainda estou estonteante com o espetáculo. Sou convicto de que aqueles atores não tem a noção exata do que fazem e como fazem... mas fazem, realizam o concreto do teatro. Existe um diretor fantástico por trás deste espetáculo, que sabe se esconder em cada detalhe, roubando a cena sem feri-la. Queria muito saber como foi na prática o processo de construção desse trabalho. Sim, eu posso imaginar, mas daria tudo para voltar no tempo e estar junto, espiando apenas... Entendo porque os meus alunos de Farroupilha estavam tão eufóricos com o que viram... eles tinham razão... me encontro na mesma condição que eles: eufórico, perplexo de ver tanta vida e tanta arte em uma mesma montagem. Abração

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  2. O espetáculo é magnífico. Reinventar Shakespeare com tanta simplicidade deve ter sido uma tarefa complexa. Percebo um conjunto: Uma direção que trabalha muito bem com os materiais que seus atores produzem, que aproveita, que transforma, que cria em conjunto. E os atores para mim são co-autores desse trabalho. Acredito que esse espetáculo surgiu mais de dentro para fora que de fora para dentro. Muito prazeroso esse RJ Shakespeare.

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  3. Querido Diego, é com os olhos cheios de lágrimas q termino de ler a sua resenha.
    É tão forte saber de novo e de novo e de novo a potência da nossa arte! Isso me inspira, me transforma, me abastece com toda a energia e garra para continuar essa nossa labuta.
    Só tenho a te agradecer....e muito!
    Suas palavras realmente são lúcidas, claras....suas colocações inteligentes, práticas, sensíveis.
    É um enorme prazer poder viajar e levar este espetáculo para outros ares. Importantíssimo!
    Em nome do elenco eu te agradeço pelo carinho, pela resenha, pela entrega.
    Muitíssimo obrigado!!!
    Abraço,
    Rodrigo Pandolfo.

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