sexta-feira, 5 de abril de 2013

QUANDO EU TINHA - Comentário Crítico


“Quem dera ser um peixe, para em seu límpido aquário (saltar) mergulhar”.

“Quando eu tinha” foi o primeiro espetáculo apresentado dentro do projeto Teatro Aberto da Coordenação de Artes Cênicas de Porto Alegre neste ano. O espaço é destinado a grupos de teatro que tenham uma proposta experimental, e é justamente esse caráter que permeia todo o trabalho do Grupo Duo em Contato, criado pelos atores André Macedo e Marcia Berselli, existente desde 2010.
A proposta do trabalho é bastante interessante em sua concepção, pois traz a tona questões que envolvem temas como o binômio morte/vida e suas memórias. O espectador tem um papel relevante dentro do espetáculo, pois contribui efetivamente com suas reminiscências sobre a morte, através de depoimentos escritos. Outro elemento que aproxima o espectador da proposta é a cachaça oferecida ao público e que além de agradar aqueles que gostem de uma cachacinha para aquecer ou iniciar uma comunhão entre atores e espectadores, tem um significado bastante singular que remete ao mote da morte, e que me leva a pensar que a cachaça é para “beber” o morto, prática utilizada em velórios ou rituais religiosos.
A encenação parte do contato entre os corpos dos atores, que pesquisam o Contato Improvisação na prática do ator, e justamente o interessante desta pesquisa é o que os atores levam para cena, que não é uma simples improvisação, mas a presença viva e potente que esta pesquisa proporciona para a dupla de artistas.
Dentre todos os elementos do espetáculo a presença e disponibilidade dos atores são admiráveis, pois a narrativa é fragmentada, privilegiando o corte e a produção de sentidos através das imagens dos corpos em ação. As metáforas presentes na cena são recheadas de signos que faz com que cada espectador elabore seus sentidos a partir de suas experiências pessoais. Textos como o do peixe que quer pular para fora do aquário ou fragmentos como a cena do cinema expõe o cerne da proposta, que é trazer à tona a questão da morte, porém de forma leve, dentro de uma proposta teatral, de um jogo onde se misturam o passado, o presente, a memória real (relato dos espectadores) versus a memória ficcional (dramaturgia e relatos dos atores).
E quanto aos atores a presença de ambos é a força motriz da peça, com grande disponibilidade corporal, além de os mesmos serem os responsáveis pela operação da iluminação e sonoplastia. Marcia Berselli consegue construir uma figura que demostra sua verdade através do olhar e de seus movimentos limpos, precisos e ajustados. André Macedo demostra ótima preparação corporal, mas percebe-se uma ansiedade que em diversos momentos atrapalha na fruição da cena. Macedo é o responsável por criar figuras que fazem parte da narrativa, como o gato, por exemplo, figuras estereotipadas, mas que funcionam dentro do contexto da obra.
A iluminação é básica e simples, mas se utiliza de momentos de penumbra, onde em algumas cenas percebemos apenas a presença dos corpos em cena, vultos que se deslocam, e dançam, detonando o espirito poético deste experimento cênico que encerra com um lindo texto.

Elenco: André Macedo e Marcia Berselli
Orientação: Professora Laura Backes
Grupo Duo em Contato: www.duoemcontato.blogspot.com.br

Este texto foi publicado originalmente no blog Olhar(es) da Cena.

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