domingo, 16 de janeiro de 2011

O TEATRO E SEU DUPLO - Parte 2

(foto divulgação)

V – Parte 4: O TEATRO ALQUÍMICO

Para Artaud o teatro é metafísico da mesma maneira que seria alquímico, ou seja, ele quer se tornar sensível a multiplicidade da vida, fazer um teatro de ambivalência onde “a ilusão é verdadeira, a destruição construtiva e a desordem ordenada” (VIRMAX, pag. 46).
Artaud aproxima o teatro da alquimia por conta do caráter do movimento que o teatro tem entre as forças antagônicas. Segundo ele, a operação teatral deverá fazer “ouro” pela relação conflitante que é provocada, pois “tanto a alquimia quanto o teatro são artes por assim dizer virtuais e que carregam em si tanto a sua finalidade quanto sua realidade” (ARTAUD, pag. 65).

VI – Parte 5: SOBRE O TEATRO DE BALI

Artaud apropria-se do teatro de Bali para exemplificar e inspirar a sua teoria teatral. Num primeiro momento, as aparições espectrais das personagens do teatro de Bali, antes de evoluírem para a linguagem simbólica, são para Artaud, a essência do teatro puro que ele busca, onde a sua concepção e execução só valerão quando atingirem certo grau de objetivação da cena. A eliminação das palavras, a opção pelos temas abstratos, a complexidade dos artifícios cênicos resultariam na aplicação da metafísica extraída de uma nova utilização da voz e dos gestos: “No seu novo emprego, a palavra vai então servir para desintegrar as funções habituais da palavra” (VIRMAX, pag. 90).
A tradução dessas imagens numa linguagem nova e discursiva, torara-se totalmente inútil diante do sentido preciso e intuitivo que os signos espirituais do teatro de Bali propõem. O efeito que essas imagens resultariam no público é uma intensa sensação de fantasia e riqueza enlouquecedoras.
A sutileza dos gestos, as variações de voz e os movimentos precisos seriam como um despertar mágico que acontece diretamente no espírito humano. A linguagem do teatro de Bali seria como uma fala anterior as palavras, “um estado anterior à linguagem e que pode escolher sua linguagem em música, gestos, movimentos e palavras” (ARTAUD, pag. 81).
Virmaux resume a visão que Artaud tem do teatro de Bali dizendo que “o que o entusiasma particularmente no espetáculo dos balineses é que, ao contrário de todo o teatro ocidental, ele encena uma lição de espiritualidade” (VIRMAX, pag. 48).


VII – Parte 6: TEATRO ORIENTAL E TEATRO OCIDENTAL

Artaud privilegia o teatro oriental ao ocidental. Ele dá como exemplo e inspiração o teatro de Bali que, segundo ele, nos fornece uma idéia física e não verbal, independente do texto, que no teatro ocidental é visto como literatura, como elo psicológico da cena, como supremacia da palavra no teatro.
O que Artaud pretende é buscar uma linguagem teatral pura, que atinja os mesmos objetivos interiores das palavras através das formas, sons, gestos e que coloque o seu sentido no mesmo nível que a linguagem articulada. O espírito deverá absorver essa nova linguagem teatral pura, que atinja os mesmos objetivos interiores das palavras através das formas, sons, gestos e que coloque o seu sentido no mesmo nível que a linguagem articulada. O espírito deverá absorver essa nova linguagem através do pensamento, ou seja, através daquilo que ela realmente representa e não simplesmente do que ela mostra. “Fazer isso, ligar o teatro à possibilidade de expressão pelas formas, e de tudo que houver em matéria de gestos, ruídos, cores, plasticidades, etc, é devolvê-lo à sua primitiva desatinação, é colocá-lo em seu aspecto religioso e metafísico, é reconciliá-lo como universo” (ARTAUD, pag. 92).
A real intenção de Artaud é saber se o espírito poderá ser capaz de absorver a linguagem icônica e visual no espaço da mesma maneira que consegue captar a linguagem articulada e o seu conteúdo psicológico. Para ele, o domínio do teatro não é psicológico, mas plástico. Com isso, ele não tenta eliminar a palavra do teatro, mas mudar a sua destinação, ou seja, torná-la apenas um meio de conduzir a expressão humana juntamente com os outros signos teatrais.
Essa metafísica formal de várias possibilidades no teatro fará surgir a idéia de uma poesia que se confundirá com a bruxaria. Essa tendência metafísica do teatro oriental, que se opõe a psicologia do ocidental domina, segundo Artaud, ao mesmo tempo, todos os planos do espírito. Extrair dos gestos, palavras, sons, músicas e da combinação deles a objetividade necessária é utilizar uma linguagem mágica que constituirá a encenação como uma bruxaria.


(foto divulgação)

VIII – Parte 7: É PRECISO ACABAR COM AS OBRAS PRIMAS

Ao dizer que as obras primas são qualidades do passado e que não servem para o tempo atual, Artaud propõe uma linguagem inovadora, recheada de riscos, na qual as imagens físicas e violentas instiguem a sensibilidade do público que se vê preso por forças superiores. Ele propõe a quebra dos antigos padrões em prol do movimento, da inquietação, da reflexão através de caminhos que não são confortáveis para nós. Ao abandonar as fórmulas psicológicas, vamos nos ater ao extraordinário da vida, que através da arte, mais empiricamente através do teatro, nos livre do lugar comum ao qual estamos habituados.


IX – Parte 8: O TEATRO DA CRUELDADE

Artaud nos diz que tudo o que atua é uma crueldade, portanto propõe um teatro que transforme o público presente com nervos e corações despertados.
O teatro da crueldade propõe estabelecer sobre os interesses das massas através de um espetáculo em movimento influenciando todos os espectadores, ou seja, um “espetáculo total” que explore a sensibilidade nervosa do público, “nesse espetáculo de tentação onde a vida tem tudo a perder e o espírito tudo a ganhar” (ARTAUD, pag. 112).
Alain Virmaux nota que Artaud “preconiza para o teatro da crueldade um espetáculo giratório e que propõe colocar o espectador no meio da ação para que seja envolvido e marcado por ela” (VIRMAUX, pag. 52).


X – Parte 9: O TEATRO DA CRUELDADE (Primeiro Manifesto)

Nesse primeiro manifesto, Artaud fortalece a idéia de que um teatro como ele imagina só será possível através da ligação mágica que privilegie o perigo e a atrocidade. Nesse sentido, o teatro deverá ter fundamentos orgânicos. Artaud utiliza termos como o exorcismo, as tentações, os encantamentos, etc. A linguagem pretendida será alcançada via linguagem do pensamento e do gesto. A crueldade é a base para que tudo se estabeleça.
A busca é feita pelo que pode ser expressado além da aplicação comum e cotidiana das palavras, dos sons, dos gestos e de toda a expressão intelectual e sensível que fuja da significação meramente psicológica. Uma metafísica da linguagem. O que importa para Artaud é que “através dos meios seguros, a sensibilidade seja colocada num estado de percepção mais aprofundada e mais apurada, é esse o objetivo da magia e dos ritos, dos quais o teatro é apenas um reflexo” (ARTAUD, pag. 117).
A técnica utilizada será a via de fornecer ao público uma visão de sonho, imagens sensitivas, uma absorção que o público obterá interiormente através desses estímulos. Os temas serão como chaves que funcionarão de elo de ligação entre as imagens e projeções apresentadas com o entendimento sensorial e intelectual.
O espetáculo deverá conter elementos físicos, objetivos e comuns a todos. A encenação será a mola propulsora para o processo criativo. A linguagem deverá propiciar uma leitura onírica da realidade. Os signos teatrais como a música, a luz e o figurino deverão fugir das concepções usuais e temporais, ou seja, deverão propiciar novas leituras estéticas e reflexivas.
No lugar do cenário estarão signos plásticos que remetem a outros lugares que não os comuns aos espectadores. O local, ou sala de espetáculo, não deverá separar a cena do público, ou, em outro sentido, o público deverá estar no meio ou arredores da ação propiciando uma comunicação direta entre espectadores e espetáculo. Com relação ao espaço cênico, Virmaux afirma que Artaud “sempre desejou para seu teatro um lugar novo e fundamentalmente diferente das salas tradicionais” (VIRMAUX, pag. 70).
O ator é um elemento de extrema importância e sua eficaz interpretação desencadeará o sucesso do espetáculo. Sua interpretação será formatada como uma linguagem codificada em movimentos e ritmos. A verdade e a naturalidade das entonações deverão ser aplicadas pelos atores como um exagero da interpretação e, dessa forma, “será preciso encontrar um tom de uma naturalidade pouco utilizada, escondida e como que esquecida, porém tão verossímil e tão real quanto um e outro” (VIRMAUX, pag. 55). Com relação ao espectador, Virmaux observa que “a condição essencial de uma ação física sobre o organismo do espectro reside na presença direta do ator” (VIRMAUX, pag. 67).


(foto divulgação)

XI – Parte 10 – CARTAS SOBRE A CRUELDADE

Nas três cartas publicadas, Artaud tenta esclarecer o que é o princípio da crueldade. O termo é usado para qualificar não uma situação de sadismo ou terrorismo e sangue, mas para qualificar o rompimento com o sentido usual da linguagem que retornarão as origens etimológicas da língua através dos conceitos abstratos que resultarão numa linguagem concreta. A crueldade “é uma espécie de direção rígida, submissão à necessidade” (ARTAUD, pag. 132).
Esse sentido de aplicação do termo crueldade está inteiramente ligado ao desejo de vigor e relação entre as forças opostas. Está ligado ao caráter vivo da lembrança, ao apetite e a força para tornar a cena em um constante movimento viril. A crueldade é a força, sem resistência, capaz de alcançar qualquer objetivo. É um impulso racional que move os desejos e necessidades mais básicas do ser humano.
Alain Virmaux sintetiza o objetivo do teatro da crueldade dizendo que ele “pretende fazer da representação algo tão localizado e tão preciso quanto à circulação do sangue nas artérias” (VIRMAUX, pag. 73).


XII – Parte 11- CARTAS SOBRE A LINGUAGEM

A encenação para Artaud é a parte verdadeiramente teatral do espetáculo. A cena é um espaço a ser ocupado e onde as coisas acontecem e, dessa forma, a linguagem das palavras deve dar lugar à dos signos, linguagem essa que atinja nossos sentidos de modo mais imediato: “Trata-se de conferir à representação teatral o aspecto de um espaço devorador, (...) que no domínio psicológico ou cósmico, se identifique com a crueldade” (VIRMAUX, pag. 84).
Artaud busca mudar o ponto de partida da criação teatral, substituindo a linguagem comum por uma diferente, “cujas possibilidades expressivas equivalerão à linguagem das palavras, mas cuja ordem será buscada num ponto mais profundo e mais recuado do pensamento” (ARTAUD, pag. 140).
As indicações dessa nova linguagem ainda deverão ser encontradas, voltando ao gesto de maneira espontânea, onde “gritos, onomatopéias, signos, atitudes e de lentas, abundantes e apaixonadas modulações nervosas, plano a plano, e termo a termo, essa linguagem se empenha em fazer todo o espaço falar, segundo o simbolismo e as analogias. Artaud busca tornar mágica a velha linguagem articulada através dos signos e novas possibilidades, proporcionando um “desencadeamento dialético da expressão” (ARTAUD, pag. 144).
Com relação ao principio do teatro, Artaud diz que ele é metafísico e, dessa forma, seu objetivo seria de criar mitos, “traduzir a vida sob seu aspecto universal, imenso e extrair dessa vida imagens nas quais gostaríamos de nos reconhecer” (ARTAUD, pag. 148).
A linguagem articulada das palavras deverá, segundo ele, ser substituída por gestos, jogos e repetições que sugeririam um maior número de imagens no cérebro do espectador. A volta do teatro para as origens ritualísticas seria um viés necessário para que o teatro se reafirme como linguagem.


XIII – Parte 12 - O TEATRO DA CRUELDADE (Segundo manifesto)

Com o teatro da crueldade, Artaud procura estabelecer um teatro construído sobre as idéias de rigor violento, condensação dos elementos cênicos, agitações e inquietudes características da época atual. O teatro buscará produzir mitos do ser humano e da vida moderna.
O homem total é o que pretende mostrar Artaud, ou seja, o objetivo de estudo não será apenas as características simbólicas do home e nem seu contexto puramente social. Esse teatro se dirigirá pela submissão às leis e preceitos.
O retorno aos mitos primitivos fará com que a encenação atualize os conflitos mais antigos do ser humano através de uma linguagem de movimentos e gestos que será sentida diretamente pelo espírito sem as deformações da linguagem articulada em palavras. O espetáculo será estruturado sobre todos os planos possíveis através de um grande número de imagens físicas e signos ligados aos momentos. Essa linguagem física só terá a sua real eficácia através da magia de uma atmosfera hipnótica em que o espírito seja atingido pela explanação dos sentidos.
Artaud sugere que as dissonâncias estejam presentes na criação do espetáculo que ocupará toda a extensão da sala de espetáculo. Dessa forma, o teatro será apresentado como uma continuidade da vida através dessa linguagem simbólica e icônica.


XIV – Parte 13 – UM ATLETISMO AFETIVO

Com relação ao trabalho do ator, Artaud reafirma a proposta de localizar fisicamente os sentimentos numa espécie de musculatura afetiva. “O ator é como um atleta do coração. (ARTAUD, pag. 162). O corpo do ator é apoiado pela respiração, uma questão primordial para Artaud, e cada movimento corresponde a uma nova respiração. Para ele, o ator deve pensar com o coração e deve procurar materializar suas paixões, ou seja, “a crença em uma materialidade fluídica da alma é indisponível à profissão do ator” (ARTAUD, pag. 164).
O conhecimento da respiração dá sentido as relações que o ator faz com o ambiente e com sua preparação física, assim, através da respiração, o ator “cava sua personalidade” (ARTAUD, pag. 166). Através de um conhecimento físico, qualquer ator pode aumentar a intensidade e o volume dos seus sentimentos.
No desenvolvimento desse teatro, a relação da poesia com a ciência deve ser desenvolvida segunda a noção de que toda emoção tem bases orgânicas. “Uma ciência tão exata quanto possível e relativa aos recursos do corpo, aos efeitos da luz e do som sobre os corpos” (VIRMAUX, pag. 74).

XV – Referências bibliográficas:

ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. Lisboa: Minotauro, s.d. (São Paulo: Max Limonad, 1884)

VIRMAUX, Alain. Artaud e o Teatro. Trad. Carlos Eugênio Marcondes de Moura (1 ed. Paris, 1970). São Paulo: Perspectiva, 1978.

2 comentários:

  1. Ah que orgulho de vc Diego!!! Sou sua fã!

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  2. Que bom Taty que você gostou, minha diretora que me dirigiu em "Romeu e Julieta" acompanhe sempre o blog, ok!
    Abraços e saudades!

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