quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

TEATRO BRASILEIRO - Teatro de Revista Parte II

Arthur de Azevedo


O Teatro de revista é um gênero de teatro musicado caracterizado por passar em revista os principais acontecimentos do ano. A encenação é feita numa sucessão de quadros onde os fatos são revividos com intenção e humor. Tudo em meio a muitas danças, canções e outros números musicais. 
Surgido no Rio de Janeiro em 1859, com a revista de Justino de Fiqueiredo Novais intitulada As surpresas do Sr. José da Piedade, relacionada ao ano de 1858 em dois atos e quatro quadros. Essa revista foi estreada no Teatro Ginásio, dia 15 de janeiro de 1859. Esse novo gênero de teatro com música firmou-se definitivamente a partir da década de 1880, com o aparecimento do magnifico Artur de Azevedo que se tornou o maior nome do teatro musicado brasileiro em todos os tempos.
No início, as revistas brasileiras sofreram a influência das revistas européias, até 1887, com a encenação da revista La gran via, por uma companhia espanhola. Nessa revistas as coristas cantavam em coro e não se movimentavam pelo palco. As revistas brasileiras inovaram e ganharam estilo próprio mesmo antes do final da década de 1880 quando passou a lançar músicas de sucesso popular. 
O tango Araúna ou Xô, araúna, da revista Cocota, de Artur Azevedo, encenada em 1885, é considerada como a primeira música que saiu do palco para as ruas, para o domínio popular. Depois veio a cançoneta A missa campal, de Oscar Pederneiras, 1888, cantada, também, na revista de Oscar pederneiras. Em seguida vieram outras composições que fortificaram ainda mais esse tipo de teatro musicado. 
Entre as mais famosas da época, tivemos o tango As laranjas da Sabina, com letra de Artur de Azevedo, que foi lançado pela soprano italiana Ana Manarezzi na revistaA República, de Artur e Aluízio Azevedo, em 1890; o lundu Mugunzá, de F. Carvalho, lançado em 1892 na revista portuguesa Tim-tim por tim-tim, e o tango brasileiro Gaúcho, de Chiquinha Gonzaga, tocado pela primeira vez na revistaZizinha Maxixe, de autoria do ator Machado Careca, em 1897, que se tornou um dos maiores sucessos da música popular brasileira de todos os tempos, sob o nome de Corta-jaca
Além de veículo da popularização de canções populares, o teatro de revista abrigou e deu nome a uma série de maestros-compositores, como a própria Chiquinha GonzagaPaulino Sacramento, Nicolino Milano, Bento Mossurunga, Antonio Sá Pereira, Sofonias Dornelas, Adalberto Gomes de Carvalho. 
A partir da década de 1920, o teatro de revista sofreu a influência do cinema e seu tempo foi diminuído e passaram a concorrer, também, com os mágicos o que conduziu o gênero para o show, cuja tendência aumentou na década de 1930 com os espetáculos internacionais dos cassinos. Em 1935, foi encenada no Teatro Recreio, a revista de Freire Junior, intitulada Bailarina do cassino. Dessa forma a importância do teatro musicado passou para os shows de boate ou de teatros com o objetivo de atender a um público mais exigente.

O teatro de revista dando sucesso às músicas populares

Até o começo dos anos 20, o teatro de revista que se fazia no Brasil ainda era rudimentar, sem muita preocupação com guarda-roupas, cenários e mesmo com os próprios espaços onde era encenado. Naqueles momentos, aportam no Rio de Janeiro duas companhias européias que iriam ditar a mudança completa do comportamento do gênero, tanto no palco como fora dele.
Salvyano Cavalcanti de Paiva conta, no livro Viva o rebolado, como foi a reação nacional à presença da companhia francesa Ba-Ta-Clan: “Despertaram interesse, surpresa e sensação a saúde e a marcação das coristas, de corpo escultural, a música viva e funcional, os cenários magnificentes, a movimentação de luzes e cores que ampliava os efeitos estéticos e cenográficos e, em especial, o apelo erótico alcançado mediante a mostra generosa do nu feminino – que a Censura, no primeiro momento, não ousou proibir para não parecer matuta... Isto chocou mais aos empresários que ao público; verificaram, por fim, o acanhado das suas realizações. A conseqüência mais imediata foi a supressão das meias e das grosseiras roupas de malha das coristas. E tentativas de melhorar, enriquecer, as apoteoses: isto representou mudança radical na cenografia e nos figurinos e a introdução de uma coreografia consciente nos números de dança coletiva, até então executados na base do improviso”.
As observações se prestam também à companhia madrilense Velasco, que junto com a francesa trouxeram a feérie para o público carioca. Foi tal o impacto das mulheres européias no país que, em São Paulo, um jovem tentou suicidar-se, saltando do viaduto do Chá, por amor a uma das francesinhas, e Juca Paranhos, futuro barão do Rio Branco, casou-se com a corista belga Marie Stevens.
A primeira revista brasileira não chegou a ficar em cartaz uma semana, por falta de público e proibição da censura, após a estréia. Denominava-se As surpresas do Sr. José da Piedade e foi encenado no Teatro Ginásio, no Rio de Janeiro, em 1859. A segunda tentativa foi em 1875, com a A Revista do Ano de 1875, escrita por Joaquim Serra, mas que acabou fracassando por excesso de sátiras políticas. Ainda nesse ano, do mesmo Serra, Rei morto, rei posto dá sinais de que público começava a aceitar o novo tipo de teatro.
O grande sucesso brasileiro apareceria em 1883, com o O Mandarim, espetáculo de Artur Azevedo e Moreira Sampaio, com a participação do cançonetista e compositor Xisto Bahia, considerado um dos maiores artistas populares de sua época e, segundo o próprio Artur Azevedo, “o ator mais nacional que tivemos”. Como revista inteiramente brasileira, a primeira carnavalesca a ser montada intitulava-se O Boulevard da Imprensa de Oscar Pederneiras.
Portugal nos manda, em 1892, suas cançonetistas da revista Tintim por tintim, com bastante êxito. A revista como balanço do ano desaparece no início do século. É o momento em que a música começa a tomar espaço maior no palco e o Carnaval a ser um dos seus principais motes, envolvendo-se o teatro de revista com as grandes sociedades carnavalescas, como os clubes dos Fenianos, Tenentes do Diabo, dos Democráticos e outros.
Na revista O Maxixe, em 1906, é lançado Vem cá mulata (Arquimedes de Oliveira eBastos Tigre), no mesmo ritmo do título. Vira grito de guerra dos Democráticos nos carnavais seguintes, tal êxito que foi no palco. É um dos primeiros exemplares do teatro de revista como lançador de músicas que o povo adotaria de imediato. A fase das revistas do ano ficara para trás. O público crescente deixava-se seduzir por um tipo de teatro que alcançava uma estrutura tipicamente brasileira, mais que isso, carioca, e a revista assumia agora o papel que cumpriria nos anos seguintes, de lançadora de sucessos da música popular brasileira.
Cidade essencialmente musical, mesmo assim, o Rio de Janeiro só veria o prestígio do teatro de revista consolidado, nos últimos anos da década de 10 e nos primeiros da de 20. Assumida inteiramente a função de vitrine, abriria os palcos para compositores populares, que os levariam à celebridade, transformaria vedetes-cantoras nas mulheres mais desejadas e cobiçadas do país. Desejo e cobiça que, muitas vezes eram orientados para diferentes finalidades, visto que, na realidade, os compositores as desejavam como intérpretes de seus sambas nos palcos revisteiros e cobiçavam o resultado financeiro que, certamente, adviria de um lançamento feito por uma daquelas deusas.
Nos anos 20, o nome mais famoso a ter suas composições levadas a cenas foi José Barbosa da Silva, o Sinhô, que se auto-intitulava o Rei do Samba. Chegou à proeza – em duas ocasiões – de ter o mesmo samba cantado em duas revistas diferentes, encenadas simultaneamente. Além dele. A fase é de destaque para Freire Júnior,Eduardo SoutoHenrique VogelerLuiz PeixotoLamartine BaboHekel TavaresAry Barroso, entre outros.
Desde Pelo telefone, o propalado primeiro samba gravado, detecta-se um vínculo mais forte entre o teatro de revista e o samba. Inspirados na gravação do cantorBahiano, os revistógrafos Álvaro Pires e Henrique Júnior apresentavam, no dia 7 de agosto de 1917, no Teatro Carlos Gomes, na praça Tiradentes, no Rio de Janeiro, a revista Pelo Telefone. A repercussão do samba no Carnaval daquele ano não se transmitiu ao espetáculo, que ficou em cartaz apenas uma semana.
A que consegue êxito digno de nota, com mais de quatrocentas representações, e a revista Pé de Anjo, musicada pelo paranaense Bento Mossurunga e Bernardo Vivas. Nela aparecem as figuras de Júlia Martins, que gravou dezenas de duetos com o pioneiro Bahiano, nos discos da Casa Edison, e uma estreante que viria a ser a maior das vedetes de todos os tempos, a paulista Margarida Max. O sucesso era a marcha Pé de anjo, de Sinhô, que consolidou a aliança entre o teatro de revista e a música popular.
O decorrer dos anos 20 foi um contínuo ritmo de ascensão do teatro de revista e de suas belas mulheres cantoras. A catarinense Lia Binatti era procurada por compositores como Hekel TavaresHenrique Vogeler, Sá Pereira, Otília Amorim, já veterana, mas bela e experiente, era exemplo para as que chegavam. Henriqueta Brieba iniciava sua longa carreira, que terminaria na televisão como comediante. Araci Cortes vai se firmando como protótipo da beleza da mulher brasileira. 
Braço de cera consagra Margarida Maux, que canta o samba de Nestor Brandão, e Lia Binatti leva A favela vai abaixo, a revista e o samba de Sinhô, ao sucesso absoluto. A relação de grandes composições cresce a cada estréia de revista. Novos e antigos compositores se valem da revista para iniciar ou consolidar carreiras. Otília Amorim bisa e trisa o novo samba de Sinhô, Que vale a nota sem o carinho da mulher?, na revista Eu quero é Nota!. Simultaneamente, Vicente Celestino canta o mesmo samba em outra revista, Cadê As Notas?.


O bonito e original guarda-roupa da revista "Comidas, Meu Santo!" de Marques Porto e Ari Pavão, encenada no Teatro Recreio, do Rio de Janeiro, em 1925.
Com Gosto que me enrosco, Sinhô repete a proeza, Nelly Flores o canta emSeminua (agosto de 1928) e novamente Vicente Celestino fazia o eco, agora na revista Cachorro quente. Ainda em Seminua, Nelly lança outro clássico do Rei do Samba, Deus nos livre dos castigos das mulheres. Araci Cortes tem um dos seus maiores sucessos com Jura, na revista Microlândia, enquanto gente nova começa a aparecer.

A montagem de Miss Brasil apresenta, como um dos autores, o compositor Ary Barroso, que teria longa carreira na revista. Foi ele quem, por exemplo, lançou um jovem, cantando seu samba Gente bamba, que depois seria gravado como Faceira, na revista Brasil do amor, em 1931, no Teatro Recreio. O cantor estreante era ninguém menos que Sílvio Caldas, outro que, como Francisco Alves, cantou muito tempo no teatro de revista, lançando sambas como Caboclo da cidade e Malandro, de Freire Júnior, ou Cordiais saudações e Mulato bamba, de Noel Rosa, antes de se dedicar apenas ao rádio e ao disco. Ary lançou no palco sucessos como Dá nela,Eu sou do amorOrgia, o já citado No rancho fundoBoneca de picheVamos deixar de intimidadeNa batucada da vidaFoi elaNo tabuleiro da baiana e outras.

Entre os grandes sambistas que se envolveram com a revista, um dos pioneiros foi Alcebíades Barcelos, o Bidê, de quem Francisco Alves cantou o samba A malandragem, na revista Seu Julinho vem, de Freire Júnior, encenada pela Companhia de Alda Garrido no Teatro Carlos Gomes, em 1929. Margarida Max e suas coristas levantavam o público com o samba-choro O Gavião, de Pixinguinha, na revista Guerra ao mosquito, e Wilson Batista contava quem aos 16 anos, já tinha seu primeiro samba, Na estrada da vida, cantado pela estrela Aracy Cortes, em uma revista no Recreio.

Mas é claro que o teatro de revista tinha o seu lado de malícia, de duplo sentido, e musicalmente não fugiria também desse aspecto. O sambista Luís Soberano soube explora-lo entregando para Aracy Cortes cantar, na revista Não adianta chorar, em 1929, o samba Costureira, em que ela explorava todo o seu talento junto à platéia: “Eu quero ver, por ventura minha / qual dos senhores é que se orgulha / de conseguir meter a linha / no buraquinho, desta agulha / Que o consiga é o que desejo / E como prêmio eu darei / ao vencedor um beijo / E coisa mais, que não direi”, e seguia até o final: “Que tem seu ponto fraco / Se a gente perde a linha / Não dá com o buraco”.

A mesma Aracy lançou de Ismael Silva e Nilton Bastos, o Se você jurar, de Noel Rosa, os sambas Com que roupa?QueixumeEu vou pra VilaGago apaixonado eDona Aracy. De Almirante e Homero Dornellas, a estrelíssima cantou no Teatro Recreio, na revista Dá nela (1930) um samba que fez furor, usando pela primeira vez a cuíca, o pandeiro, o surdo, o ganzá, o reco-reco, o tamborim e o triângulo. Tratava-se de Na Pavuna, que com a repercussão acabou virando ele próprio uma revista, de Freire Júnior e Luiz Iglesias, estreando no Cassino Beira Mar, naquele mesmo ano.

No Teatro João Caetano, em setembro de 1930, estreou a revista Vai dar o que falar, de Luiz Peixoto, com música de Ary Barroso. Nela, estreava Carmen Miranda, que passou por um susto. A platéia vaiou um dos seus quadros, do qual participavam cavalos da Polícia Militar e que representava o meretrício do Mangue. Ouviu-se um estampido de um tiro, os cavalos se assustaram e dispararam no local. Carmen foi praticamente empurrada para o palco, mas acalmou o público cantando. Os jornais creditaram a ela o fato de não ter ocorrido uma tragédia.

Ainda no reinado de Aracy, em 1932, na revista Com a letra, ela registra um raríssimo samba da lavra de Lamartine Babo, Só dando com uma pedra nela, que o autor viria a gravar em parceria com Mário Reis. E, em Angu de caroço, ela contribui para o início da carreira, no teatro de revista, do ator Oscar Tereza Dias, o Oscarito, que, em dupla com ela, lança o samba de Noel, Mulato bamba, gravado no ano seguinte por Mário Reis.

Surge então a Casa de Caboclo, uma companhia montada pelo bailarino Duque (Antônio Lopes de Amorim Diniz), o mesmo que levara o maxixe e os Oito Batutas a Paris. Na companhia, aparece um duo chamado Jararaca e Ratinho e uma nova vedete com o nome de Dercy Gonçalves. A revista chama-se Que-qué qué casa e limitava-se a repetir os sambas lançados em outros teatros.

Até a chegada dos anos 40, o teatro de revista manteve sua missão de lançador da música brasileira. Em 1939, na revista Camisa amarela, no Teatro Recreio, Moreira da Silva ainda encontra espaço para popularizar o samba de breque. Daí para frente, mudaria a filosofia, entrariam as vedetes estrangeiras, reinariam as plumas e os paetês, o texto ganharia o espaço maior e o rádio passaria a ser o grande divulgador da música do povo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário