segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

EUGÊNIO BARBA - A animalidade do ser humano


Eugenio Barba entende o teatro como uma manifestação artística que visa ao espectador. Isto não significa, de forma alguma, fazer concessões com o intuito de captar a atenção da plateia. A interatividade vazia não integra o vocabulário do fundador italiano do Odin Teatret – companhia criada em 1964, em Oslo, e pouco tempo depois transferida para a cidade dinamarquesa de Holstebro. 
- Eu não vou ao teatro para ver propriamente a revelação do ator, mas para que ele me faça entrar em contato com uma das facetas da minha própria multiplicidade. Pode ser, claro, que o ator, ao revelar algumas das suas contradições, leve-me a perceber as minhas – confirma Eugenio Barba, fundador da International School of Theatre Anthropology (ISTA), em 1979.
O diretor do Odin chama atenção para o fato de que cada indivíduo porta uma multiplicidade, talvez desconexa, e não se resume a uma unidade coerente.
Em que pese a defesa das especificidades, Barba e também Jerzy Grotowski, encenador com quem conviveu durante três anos, na década de 60, na cidade polonesa de Opole, buscam encontrar aquilo que conecta todos os seres humanos.
- O público é uma grande massa e cada um de nós, um microcosmo diferente. Como pode o ator dialogar com esses microcosmos? No teatro como entretenimento é possível. Constantin Stanislavski “inventou” a noção de teatro como arte, assim como a de artista como criador e a de espetáculo como obra original – assinala o autor de A terra de cinzas e diamantes.
Barba refere-se ao fundador (junto com Nemirovitch-Dantchenko) do Teatro de Arte de Moscou, em 1898, e criador do chamado Método das Ações Físicas, de acordo com o qual cada ator deveria construir uma partitura de ações formada a partir de associações pessoais.
- O teatro tenta despertar um diálogo com uma parte exilada do espectador, com aquilo que não é mostrado, que não é de bom tom. Todos nós já fomos surpreendidos como uma parte de nós que reage. Não tem nada a ver com identidade cultural. É algo que pertence à esfera da animalidade do ser humano, no sentido mais concreto – garante.
O Método das Ações Físicas problematizou o conceito de memória emotiva, uma vez que a emoção, por não ser exatamente possível de ser controlada, dificilmente serviria como ponto de partida para o trabalho do ator. A partir do entendimento do corpo como depositário da memória, a noção de interioridade foi, de certo modo, revista.
- Sabermos que a interioridade existe. O problema é que a minha interioridade não pode entrar em contato com a de outra pessoa, senão através da exterioridade – esclarece.
Determinadas questões despontaram norteando as pesquisas de Stanislavski, Grotowski e Barba.
- Como fazer um espetáculo que dialoga com a matéria escura que se agita dentro dos espectadores? Como criar uma dramaturgia evocativa que permita a quem assiste projetar suas próprias experiências biográficas? Os espectadores se conscientizam de suas diferentes. Passam a ter isto em comum – observa.
Foi também a partir do método concebido por Stanislavski que despontou a importância da estruturação no trabalho do ator, que, só assim, estaria apto a preservar determinadas qualidades de sua interpretação a cada apresentação.
- O ator trabalha em estados de ânimo diferentes noite após noite. Ocorrem, portanto, alterações dentro da estrutura. Mas teatro é estrutura – frisa Eugenio Barba. - Reconhecemos determinado ator e, ao mesmo tempo, percebemos que não é o mesmo que no trabalho anterior. Há uma dialética entre reconhecer e ser surpreendido. É isto que faz com que um ator tenha identidade.
Grotowski, que deu continuidade ao trabalho de Stanislavski, defendia a possibilidade de um ato de desnudamento impiedoso por parte do ator diante do espectador, de uma interação de alma para alma entre ambos.
- Quando eu estava com Grotowski ele não falava exatamente em desnudamento total. A terminologia veio depois de O Príncipe Constante, espetáculo no qual chegou a um resultado único com o ator Ryszard Cieslak – diz Barba, referindo-se à encenação do texto de Calderon de la Barca. – A partir dali ele passou a destacar o desnudamento do ator diante do espectador, testemunha deste ato. Depois de Apocalypsis com figuris, parou de fazer teatro. Afinal, se você é um alpinista e chega ao Everest só o que pode fazer é voltar ao Everest.
O modo de abordar os textos não era evidentemente ilustrativo, preocupação que pode ser detectada nas montagens de Eugenio Barba.
- Quando você lê Dostoievski ou Thomas Mann, por exemplo, há algo explícito e algo subterrâneo, uma densidade formada pelo literal e pelo que o transcende – constata.
Diretores como Grotowski, Peter Brook e Barba trabalharam a partir da percepção de que, no século XX, o teatro perdeu espaço para o cinema e a televisão. Entretanto, eles não passaram a barganhar a atenção do espectador.
- Depois da Segunda Guerra Mundial, ficou claro que o teatro poderia desaparecer, que só era necessário a quem fazia. O teatro não era mais o espetáculo do nosso tempo, da nossa sociedade. Tornou-se uma forma arcaica que só interessa a uma minoria – sublinha Barba. 

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