domingo, 8 de maio de 2011

ENTRE A PALAVRA E O GESTO, UM ASSOVIO QUE SE FAZ PRESENÇA

Grupo Válvula de Escape

Compartilhamos a entrevista que concedemos ao Blog Indecentes Palavras da escritora e Psicanalista Adriana Bandeira. Segue abaixo a entrevista na integra. 

ENTRE A PALAVRA E O GESTO, UM ASSOVIO QUE SE FAZ PRESENÇA- Contando histórias com o grupo Válvula de Escape

1-Quero lembrar da proposta inicial, quando o grupo estava se formando...Lembro que a idéia era de formar um grupo para o texto de Clarice.Sou apaixonada pelo texto de Lispector.Tanto, que por vezes retorno aos que já li e ele sempre me é muito estranho, diferente.É o tipo de escrita que se está para o leitor, ou seja, nós é que somos outros e reconhecemos isso na leitura.Pois bem...para mim, Clarice nos traz essa possibilidade.Quando a proposta de um grupo parte de um texto, ali nomeado está o dito deste grupo.Quando o texto é de Lispector...o dito prevê o SER, ou seja, esta mudança inerente ao EU.Então: porque Clarice?
Diego Ferreira – A principio, gostaria de agradecer em nome do Grupo Válvula de Escape por esta oportunidade, obrigado! E gostaria de dizer que adorei o título: “Entre a palavra e o gesto”, bastante significativo para nós. E em seguida gostaria de esclarecer que a proposta inicial não era de formar um grupo específico para a montagem do texto de Clarice, mas sim a criação de um grupo teatral voltado a questões sobre a criação, fomento e compartilhamento das artes cênicas contemporâneas. E em apenas num ano acreditamos que conseguimos, mesmo que de maneira tímida cumprir com esta tríade acima elencada: Criação (Criação e manutenção do espetáculo “Assovio...”), fomento (fomentar e discutir a arte na cidade e tem sido uma constante do grupo na criação de vários projetos criados para fomentar e difundir o teatro) e compartilhamento ( através das oficinas desenvolvidas ao longo do ano passado e que terá prosseguimento neste ano). Até mesmo por que antes do Válvula houve a tentativa de criação de outros grupos que não deram certo devido as agendas corridas dos integrantes e muito em função das atividades destes integrantes junto a UERGS. Pois bem, quando me formei no final de 2009, a atriz Lucimaura Rodrigues também graduada na Uergs me confidenciou sua vontade de retornar aos palcos e eis que ali marcamos um encontro para definir o que faríamos dali para frente. Então em janeiro de 2010 nos reunimos e logo em seguida convidamos a Ana Denise e Martina para se unirem a nós. Ali nasceu o Válvula de Escape.
E quanto a Clarice, bom, como foi uma proposta que foi sugerida por mim, era um desejo, uma vontade de transformar esse livro tão instigante da Clarice em teatro, em ação, em cena. No início fui tomado por uma euforia e entusiasmo para levar a cena a história de Macabéa, mas depois, no meio do processo um desespero tomou conta de mim, pois percebi que a história era complexa demais para ser transformada em cena, mas era tarde demais e decidi não desistir e enfrentar a Clarice de frente, foi quando optamos em realizar o espetáculo no porão da estação, foi ali que o espetáculo ganhou força e base para ser levado a cena, mas não foi fácil dialogar com este texto que não é especifico para teatro, é um romance, aí já temos um obstáculo, mas olhando agora, após as apresentações percebo que conseguimos um resultado satisfatório e digno frente a grandiosidade e complexidade da obra de Lispector.
2-Percebo que o grupo foi se renovando, agregando novas pessoas, desde o primeiro encontro, em que eu mesma participei. Aliás...é bom as pessoas saberem que o artista faz exercícios físicos que...Não pude caminhar no dia seguinte!( eheheheh). Pois bem, conte-nos um pouquinho da trajetória, das escolhas, da confirmação deste grupo que hoje apresenta ‘“Assovio no Vento Escuro”.
Diego Ferreira – Bom, depois do encontro inicial, nos reunimos poucas vezes e precisávamos de mais pessoas para a formação do grupo. Então tive a idéia de oferecer um Workshop de três dias de duração que aconteceu no Teatro Robertão (e que você participou), para selecionar mais cinco atores para se agregar a nós, destes 5 selecionados dois ainda estão atuando conosco que são o Léo e a Tuane, mais a Adri que não atua no grupo atualmente, mas auxilia na produção e penso que retorna este ano como atriz.  Sim, o ator faz muitos exercícios físicos, o que chamamos de treinamento físico, pois a forma que um ator tem para comunicar-se com o público á através de seu corpo, da sua poética. O corpo é o nosso instrumento de trabalho, portanto temos que treinar ele todos os dias e o treinamento ocupam grande parte dos nossos ensaios. São exercícios puxados, cansativos, exaustivos, mas que são necessários para que o ator possa encontrar e trabalhar a sua presença cênica e a sua poética de trabalho. O trabalho de um ator não se resume em decorar um texto e entrar em cena, por trás desse trabalho, existe muita dedicação, estudo e criatividade. Quanto à renovação, penso que como somos um grupo novo, com uma curta trajetória, neste primeiro momento a idéia é a de tentar manter os integrantes que iniciaram e que puderam se manter, para que através das conquistas que obtivemos no ano passado possam ser intensificadas neste ano. Trabalhar em grupo exige que este coletivo se conheça, criem confiança entre si e na direção e nossa aposta é a de um trabalho contínuo focado no trabalho do ator. A renovação se dará através das oficinas oferecidas, que neste ano terá a duração de 8 meses com a montagem de um espetáculo no final, e os alunos que se destacarem poderão fazer parte do Válvula no ano que vem.
Adriana Cruz – À medida que as pessoas vão se conhecendo o grupo foi formando uma identidade, é o resultado das atividades realizadas pelo grupo, cada um contribuindo co suas experiências e se adaptando um com os outros e assim o grupo está criando a sua poética.
3-Chegamos ao título do espetáculo de vocês... Lispector e Assovio tem muitas coisas em comum.Tratando-se do texto que leva em conta estes EUS, os que surgem num discurso, na palavra, agrego isso a nossa de significante.Coisa minha.pois bem, o significante é um traço mínimo que faz diferença, que perpetua escolhas, mesmo que não saibamos.O assovio é um traço  mínimo, é um “ soar”, escorregar a voz, reconhecendo o pedido ou aviso de algo.Mas, este zumbido embora fundamental é somente fundamental.O resto é que faz canção.Pois bem: porque Assovio no vento Escuro?
Diego Ferreira – Tudo é significante. Tudo é signo. E os signos são transformados em significantes por aqueles que recebem este signo, no nosso caso, os espectadores. Essa tua leitura da palavra “Assovio” tem tudo a ver, mas não é a mesma que a minha e talvez não seja a mesma da Clarice, da Adri Cruz, enfim. Quero dizer que cada individuo “interpreta” conforme os seus referenciais, e assim acontece com a gente que faz teatro, nós como atores, “representamos” algo e o espectador “interpreta” a seu modo este algo que compartilhamos com ele. Por isso gosto de usar o termo “representação”, pois nós representamos e fica para o público fazer a “interpretação”. Sobre o título, como a nossa proposta não era a de levar a cena o livro “A hora da estrela” de modo literal, tal qual o livro, mas sim, adaptar e criar um novo olhar a partir deste mesmo texto, pensamos que não poderíamos utilizar o mesmo título do livro, senão estaríamos vendendo uma idéia que não era compatível aquela realidade da obra. Posso dizer que fomos fiéis a obra e ao mesmo tempo livres, pois nos permitimos a criar também e não somente reproduzir. Então procuramos outros títulos que viesse ao encontro da nossa proposta. Realizamos até uma votação interna e o título que venceu não foi este, decidi recorrer a Clarice, pois este livro tem 21 títulos juntamente com “A hora da estrela” e “Assovio no vento escuro” é um deles, acho que combinava mais com nosso propósito e com o nosso espaço. Mais poético e menos literal, nos permitiu a sermos livres frente a obra, entende.
Adriana Cruz – “Assovio no vento escuro”: o nome tem tudo a ver com a atmosfera que envolve a personagem, tem a ver com a poesia de Clarice, a poesia do Válvula.
4-Gostaria de saber um pouquinho da trajetória de cada um de vocês e o que causa esta escolha pelo teatro. Sendo possível que colocassem seus nomes, apresentassem suas perspectivas.
Adriana Cruz – Eu conheci o teatro já adulta quando estava fazendo o magistério no Colégio São José, passou-se muitos anos e aquilo sempre ficou, aquele gostinho de quero mais. Quando finalmente tive um tempinho para mim, onde eu pudesse fazer o que eu gostasse como todo mundo, assim como tem gente que gosta de ir à academia, resolvi então fazer oficina de teatro na Fundarte, depois disso só foi... Adoro essa coisa de a gente poder ser outras pessoas, hoje eu sou um menino, amanhã posso ser um velho, etc.
Diego Ferreira – Bom, a minha relação com o teatro se estabeleceu de uma maneira inusitada. Comecei no teatro em 1995, ou seja, há 16 anos atrás. Estudava numa escola pública de Porto Alegre e para ter algo a fazer no contra-turno da escola, fui buscar algo diferente para fazer. Ao lado da minha escola, existia uma escola “especial”, dedicada exclusivamente para alunos portadores de necessidades especiais. Até eu adentrar naquele espaço, aqueles seres eram pessoas de outro mundo, o que tinha do outro lado da cerca causava medo, ou até desprezo, mas eis que a escola especial resolveu abrir suas portas para que alunos da escola regular pudessem fazer integração com os alunos especiais, através do oferecimento de diversos cursos como: esporte, música, dança, teatro, fotografia, culinária, etc... Fui lá conhecer os cursos e optei por fazer esporte, mas como vi que meus colegas estavam escolhendo teatro quis saber o que era, chamaram a professora de teatro e esporte e a professora de teatro com sua magia conseguiu me converter ao teatro. Desde então jamais interrompi minhas atividades teatrais. Essa oportunidade marcou e mudou minha vida de diversas formas. Primeiro pelo fato de poder desmitificar aquela idéia que eu tinha daqueles seres que existiam do outro lado do muro, são pessoas competentes, capazes de te cativar e compreender sua vida, vencer barreiras e limites. Aprendi a gostar e respeitar aquelas criaturas amorosas e compreensíveis. Fiquei 4 anos lá fazendo curso de teatro e depois comecei a fazer outros cursos, oficinas e seminários sobre teatro. Conheci muita gente até chegar na Uergs onde conclui a Graduação em Teatro em 2009 na Uergs e atualmente tenho me dedicado ao Grupo Válvula de Escape, nas funções de diretor e professor de teatro, além de realizar a direção do espetáculo “Wilma e Elza” que segue em cartaz pelo interior do RGS.
5-Existe o texto e o outro texto. Digo que este outro texto invariavelmente é a poesia. Quero dizer que a construção de um personagem não deixa de ser fazer poesia. Afinal estão: o escrito, o ainda não escrito e o SER. No caso deste Assovio, existe Lispector, a adaptação (muito bem feita) do texto, o que está para ser construído e o SER. O que pensam sobre esta construção?
Diego Ferreira – Sim concordo muito que a construção de um personagem é a construção de uma poesia. No campo de pesquisa em artes, falamos em criação de Poéticas, que representa o modo e a maneira que cada artista, cada pesquisa constrói o seu trabalho. Em nosso trabalho o texto da Clarice foi o grande norte, mas não o único. No teatro trabalhamos com DRAMATURGIA. E quando me refiro a Dramaturgia, não estou falando somente do texto, do drama, mas sim de dramaturgia(s), pois temos a dramaturgia do texto, do ator, do espaço, da música, da imagem, enfim, diversas dramaturgias que somadas formam um espetáculo. No caso do “Assovio...” o primeiro passo foi pensar na parte textual, pensada para um espaço convencional, um teatro. Era outro tratamento de texto, preocupado com questões da teatralidade, do escancarar a cena para o espectador, de uma Macabéa fantástica, repleta de signos e significantes, do onírico ao real. Quando decidimos o espaço, a configuração do espetáculo e do texto foi alterada e tudo se transformou em função do espaço. Agora teríamos que trabalhar com a possibilidade de o espectador estar junto na cena, ou melhor, imerso nela, sentindo a respiração do ator, então procuramos trabalhar com a verdade, jogar com a sinceridade, ao invés de trabalhar na caracterização dos personagens, potencializar o mínimo, para chegar ao máximo, desvelar as possibilidades que aquele espaço nos dava. Esse foi o nosso grande desafio, teatralizar um espaço que não é teatral, mas que de acordo com nossa encenação, passaria a ter uma configuração teatral, lógico que somando as dramaturgias já mencionadas aqui neste texto. Mas me referindo à adaptação literal do texto, foi um dos pontos mais difíceis e dolorosos do processo, pois eu não queria deixar nada de fora do roteiro, cortar fora as palavras de Clarice era dolorido, mas eu ia adaptando conforme as improvisações dos atores, o 1º esboço deu em média umas 50 páginas, o 2º em torno de 30 páginas, depois vieram muitos esboços até finalizar num roteiro de 11 páginas que foi ficar pronto uma semana antes da estréia, priorizamos o diálogo entre as personagens e eliminamos 90% da narração, centramos na história de Macabéa, sendo que o livro não conta somente a história dela, mas sim, o dia a dia de um escritor frente à criação (no nosso caso, o escritor foi transformado na figura de Clarice Lispector interpretada pela Lucimaura, que guia os espectadores) e sobre o processo de escrita em si. Adaptar não é somente cortar trechos e rearranjá-los, mas sim tentar encontrar um novo modo de contar aquela mesma história, eliminando e agregando novos elementos a esse novo material.
Adriana Cruz – Acho que a adaptação de um texto é a essência do texto original sob a ótica de um determinado grupo. É a “nossa” verdade.
6-Na estréia (e eu gosto das estréias porque elas mostram a potência do texto, dos personagens e dos artistas) o diferencial marcou a cidade. Não estamos mais num palco fechado, com sujeitos que assistem sentados a alguma trama. Não existiu os que assistiam. Fomos convocados a estar. O tal SER estava tanto nos personagens do texto do Assovio, quanto os que acabavam habitando nossas identificações com as palavras vindas dos artistas. Como vocês sentiram esta vibração?
Diego Ferreira – Eu também gosto das estréias, pela novidade, pela expectativa criada em relação ao espetáculo, tanto dos artistas, quanto da platéia, mas gosto de rever após algum tempo o mesmo espetáculo, para ver como o grupo solucionou questões, amadureceu o espetáculo e venceu alguns obstáculos que na estréia ainda poderiam estar desajustados. Creio que “Assovio...” marcou a cidade sim, por vários motivos, pela utilização de um espaço não convencional para apresentação de um espetáculo teatral, também marca a cidade pelo fato de oferecer uma temporada de teatro, com sucessivas apresentações, sabendo que geralmente os espetáculos aqui apresentados são apresentados apenas uma vez, no máximo três vezes, então queríamos e queremos começar a mudar a cultura da cidade em relação a isso, a formação de platéia, mas para se ter público tem que haver ações que convidem este público a estar participando do evento teatral. E este é um belo exemplo. Quanto à vibração do público na estréia e demais apresentações penso que... Ops! Surpreendemos-nos com a recepção do público, que compareceu e que participou abraçando esta idéia, este projeto. A vibração era verdadeira e os atores sentiam isso e revidavam em cena, em ação, em emoção! Foi emocionante ver o público habitando os porões da estação, dando vida aquele lugar.  
Adriana Cruz – Bem, por motivos pessoais, não pude participar da estréia, pois tive que “abandonar o personagem”, mas só o personagem, o grupo não. Porém quando fizemos o nosso primeiro ensaio aberto eu ainda estava no elenco e fazia a personagem Glória e lembro bem as emoções que tive, era de tudo um pouco, medo, ansiedade, curiosidade e empolgação, tudo misturado. Mas o medo era o mais latente, pois eu me preocupava  com as reações que as pessoas poderiam ter diante das provocações que a peça fazia e que a minha personagem propunha, e a minha personagem era abusada e gostava de chamar a atenção. Lembro bem quando provoquei um espectador através de olhares e beijinhos, e a pessoa ficou tão desconcertada, que desviou o olhar, sendo que nesta hora eu quase perdi a concentração, o ritmo, pois eu não esperava esta resposta, pois a maioria da platéia estava bem à vontade com a relação estabelecida. Essa proximidade pode ser tanto positiva quanto negativa e tive que me concentrar na personagem para não perder a concentração. 
7-Do “ ar livre”, da “ Estação dos trens” para o subterrâneo...nenhuma condição , nenhum trânsito representaria melhor a proposta.Do amplo ao restrito.Nele uma infinidade de perspectivas, ditos, sensações.Como foi esta elaboração, esta escolha ?
Diego Ferreira – Esta escolha deu-se dentro do processo de criação do espetáculo, a princípio pensávamos num espetáculo para o palco italiano, tradicional. Como realizávamos nossos ensaios no porão da estação, chegou um momento em que aquele espaço já havia marcado nossa criação. Foi quando resolvemos assumir esta proposta de encenar uma peça num espaço não-convencional. Até então, a estrutura da peça e do texto era caótica, sem nexos, sem sentidos, apenas estávamos “tentando” criar um espetáculo de teatro convencional, mas era tudo exagerado, personagens estereotipados, propostas absurdas, mas tínhamos o desejo de fazer, de tentar, de aprender com nossos erros. Com a chegada do André, nos assessorando filosoficamente, o projeto deu uma virada de 360º, pois ele nos ajudou a pensar e explorar os personagens sob outro viés, analisando cada um e explorando eles sob outros aspectos.  Mas quando assumimos este espaço enquanto palco conseguimos visualizar possibilidades de leituras, como esta que tu fazes, potencializar signos e evidenciar a teatralidade do espaço, criar ilusão, mas ao mesmo tempo destruir a ilusão e mostrar ao espectador que aquele momento que estamos compartilhando com ele, é teatro, é mentira, mas ao mesmo tempo, é uma mentira com verdade. Desmitificamos a ilusão da caixa cênica e seu aparato de iluminação e som, criando uma cena aberta, com atores, espectadores e técnicos no mesmo plano, ora criando uma ilusão, ora destruindo essa ilusão antes proposta. E chegar ao espetáculo que o público pode conferir foi uma tarefa árdua, de escolhas de caminhos e propostas, decididas no dia a dia dos ensaios, como montar um quebra-cabeça, um painel com várias referencias, vários signos propostos e expostos, mas que sem dúvidas foi o espaço que nos deu, lógico que tivemos uma pesquisa e criação neste espaço, mas aquele espaço foi um personagem muito importante neste processo, tanto que não cogitamos a idéia de realizar a peça em outro espaço.  Inspiramos-nos no teatro desenvolvido pelo grupo Porto-alegrense “Ói nóis aqui traveis”, em sua proposta de teatro de vivência, onde o espectador é convidado a celebrar a cena, participando ativamente do espetáculo. No nosso caso, absorvemos esta idéia do espaço, de o ator e o espectador compartilhar do mesmo espaço, espaço pequeno e apertado, aproximando e colocando o espectador dentro da cena.
8-O texto traz à tona verdades como : a morte, a solidão,a esperança,a condição.O que, para vocês, ficou mais contundente no Assovio?
Diego Ferreira – É... não somente o texto, mas toda a obra de Clarice denuncia este mundo repleto de incertezas, de aparências. Para mim ela dialoga muito com o ser mulher, e com o existir, existência. Somos um na imensidão vasta do mundo. Penso que a obra de Clarice, além das verdades, traz diversas referencias cotidianas que fazem o leitor mergulhar e se identificar com a história proposta. No caso de “A hora da estrela”, a obra desvela referenciais contemporâneos como a Coca-cola, as Lojas Americanas, a rádio-relógio, o Rio de Janeiro, signos que são cruciais para uma identificação com o leitor deste universo que denuncia a pobreza tanto de espírito quanto social de Macabéa fazendo um contraponto com o capitalismo das grandes cidades, do consumo, do acesso a informação, mesmo que esta informação não seja compreendida. Fica a impressão de que somos seres fragmentados, incompletos, sempre em busca de algo que tentamos preencher vazios, lacunas e às vezes não encontramos...
Adriana Cruz – As “verdades” como a morte, a solidão, a esperança, a condição, o que para mim fica mais contundente foi à solidão e ver como uma pessoa pode ser tão solitária, sendo que Clarice foi uma pessoa muito solitária apesar de estar sempre rodeada por muitas pessoas.
9-Existe um segredo que faz com que, num grupo, todos estejam, de fato, no que fazem. Esta unidade prevê as diferenças, se estamos falando de um grupo de verdade verdadeira ( eheheh).Como vocês lidam com estas diferenças?
Diego Ferreira – Tu sabes que discutíamos sobre isso em nosso último o encontro, estávamos lendo um texto sobre o trabalho do ator, de uma entrevista do ator e diretor Cacá Carvalho, e ele fala muito sobre isso, mas ao invés de falar sobre diferenças, ele fala sobre individualidades. Somos um coletivo formado por indivíduos, onde cada um traz junto os seus referenciais, seu histórico, seu corpo e sua identidade. Queremos uma unidade, mas prevendo que está unidade seja construída pautada na liberdade e individualidade, pois não podemos apagar ou ignorar o histórico deste indivíduo, e isto me interessa muito, o que o ator tem de interessante, e que eu posso aproveitar e roubar dele e o que eu tenho de interessante para repassar a eles, essa é a base da troca. Trabalhar as individualidades, as potencialidades de cada um para tentar decodificar e instaurar um processo de grupo, onde todos estão inseridos. Partindo daí penso que conseguimos estabelecer contatos para trabalhar a diferença e fazer com que esta se transforme em potencial criativo de grupo, ou seja, se transforme em uma determinada poética coletiva, que na verdade são micro-poéticas individuais que somadas se transformam em poéticas do Válvula de Escape, entende.
Adriana Cruz – Às vezes, é difícil para mim, porque somos todos muito diferentes, com histórias e históricos diferentes, experiências de vida e de idade. Então temos que ter muita paciência, pois existem os acelerados e os devagar, os que falam de mais (como eu), e os que deveriam se impor muitas vezes não se manifestavam, mas isso foi no inicio, onde procuramos nos respeitar e ir se encaixando uns aos outros.
10-Poderiam nos contar uma coisinha engraçada, uma mania ou “esquisitice” de cada um?( eheheheheh).
Diego Ferreira – Quando falo em individualidades, lógico que temos características em cada um, não vou citar nomes, mas eles vão reconhecer aqui cada um, mas temos aqueles que falam de mais, mas não sabem escutar, aqueles que estão sempre atrasados, os negativos e pessimistas. Mas nesse tempo em que estamos trabalhando juntos muitas coisas aconteceram, por exemplo, nos ensaios e apresentações, pelo fato de trabalharmos no lado externo da estação lidamos com o imprevisível, e quase sempre temos a presença de cães que às vezes atacam aquelas figuras vestidas de preto, uma vez tínhamos aqueles pássaros, “quero-quero” e a Maura ficou assustada com a possibilidade de ser atacada em cena aberta, e também temos as crianças que hoje em dia são nossos parceiros, mas no inicio dos ensaios externos gostavam de interferir na cena, o que não era de todo ruim, pois era uma proposta que possibilitaria isso e os atores teriam que jogar com o imprevisto.
11-Na reunião de janeiro estive com vocês e esqueci a máquina e ...Pois bem, neste encontro percebi uma certa leveza, uma certa tranqüilidade.Isso é fato?
Diego Ferreira – Sim, naquela ocasião não estávamos em trabalho, estávamos apenas reunidos, era uma reunião de produção e encaminhamentos para o ano de 2011, então estávamos livres e descontraídos. Mas durante o trabalho, quando nos reunimos para ensaiar e treinar, muda um pouco, pois temos que criar um espaço de concentração, onde tudo o que possa nos atrapalhar fica do lado de fora, e dentro fica a vontade de produzir e compartilhar com o grupo, não deixando de lado o prazer de estar ali comungando com o outro a possibilidade da criação cênica. Durante os ensaios, dentro desta zona de concentração cria-se também uma tensão, que é bem vinda ao trabalho, mas às vezes essa tensão se transforma em explosão, daí sim temos que parar e conversar e tentar resolver. Mas um dos princípios do grupo é o prazer, o prazer de estar ali, presente e entregue de forma verdadeira.
12-Então: diretor é..?Figurinista? ...Existe uma coordenação do grupo?Como ela é feita?
Diego Ferreira – Somos um coletivo, um grupo. A única distinção que existe é que eu atuo como diretor e os demais como atores ou músicos, mas isso não impede que um dia eu assuma o papel de ator e alguém assuma a direção, já que temos pessoas capacitadas para isso. Enquanto grupo Válvula de Escape é assim, mas é lógico que não trabalhamos sozinhos, e para produzir um espetáculo precisamos de profissionais aptos em suas determinadas áreas, como por exemplo, criação e execução de figurinos, da iluminação, do projeto gráfico, de um bilheteiro, de um produtor, divulgador, etc... Mas enquanto grupo somos assim, mas não quer dizer que também não executamos outras tarefas, por exemplo, por enquanto, nós mesmos somos nossos produtores, elaborando projetos, cuidando das finanças e divulgando nosso trabalho, mas a medida que o trabalho vai se desenvolvendo, percebemos que precisamos mais desses profissionais ao nosso redor, pois isso reflete no todo do trabalho e o que queremos é sempre poder oferecer o melhor ao público.
13-Preciso dizer que fiquei muito agradecida com o convite para assisti-lo.Fiquei também surpresa já no primeiro momento em que a atriz nos convida para o futuro.Certo! Ele a todos recebe.Várias “ sacadas” me fazem crer que o texto de Clarice pegou vocês, porque ele é virulento.Como epidemia, vocês passam adiante e por aí vai ( eheheheh).Pois bem,perguntei  à vocês no dia da estréia e pergunto agora: como vai ser?Ninguém sai impune, depois de estar tão próximo de Lispector.Quais as conseqüências sentidas por vocês em estarem personagens, lidarem com seu texto, enfim...o que isso causou em cada um?
Diego Ferreira – Sim o texto da Clarice é quem nos convida ao futuro, o texto em questão, “A hora da estrela é de 1977 e ainda ecoa como algo tão visionário e infelizmente tão atual, ao tratar da pobreza da personagem, nordestina e pobre de dinheiro e de espírito. Quanto mais avançamos parece que mais mazelas assolam o País e Clarice retrata isso muito bem em sua obra, mas de maneira ousada e poética. O texto, ou melhor, a obra dela nos pegou completamente. Eu já conhecia alguns de seus livros, e ousei em propor logo de cara para um grupo que recém estava se formando criar um espetáculo baseado em sua obra. Ousei e ousaria novamente, pois eu acho que a arte e o teatro, especificamente, é feito assim, de ousadias, de riscos, não podemos antever aonde chegaremos quando propomos algo como este projeto, poderia ser outra coisa entende, mas resultou nisso por causa de diversos fatores. Lógico que não saímos impunes, nem tampouco poderia, pois a escrita de Clarice deixa marcas, e isto é maravilhoso, ver o que um texto pode transformar a vida de uma pessoa, creio que muitos espectadores também saíram diferentes do que entraram no espetáculo, e isso é muito bom, pois assim conseguimos alcançar um dos nossos objetivos, trazendo esta obra a cena, que era o de provocar assim como fomos provocados e incitar que mais pessoas pudessem conhecer as obras dela. As conseqüências, no geral, foi ver a transformação, o percurso, o entendimento dos atores e meu durante o processo, pegar o texto, adaptar, cortar, inserir outros textos, decorar e corporificar literatura em ação, dar carne e alma aqueles personagens que são papel e entender esse processo, sofrer, ter crises, se emocionar e emocionar ao outro. Lembro de ensaios em que saia completamente frustrado e arrependido de ter feito uma escolha tão difícil quanto esta, e temer que aqueles atores não dariam conta deste mundo complexo que é Lispector, mas ao mesmo tempo tinha ensaios em que me emocionava, chorava e deslumbrava o que poderia vir a se tornar todo aquele processo turbulento. Por isso penso que participar de um processo criativo tem que estar disposto a correr riscos e disposto a conhecer novos caminhos, diferentes daqueles que eu já conheço, pois somente assim, poderemos nos revelar através dos personagens. E a nossa relação com Clarice segue adiante, pois os atores continuam lendo a sua obra, adquirindo novos livros e isso é maravilhoso, eu ganhei do meu elenco no final do ano a nova biografia de Clarice escrita pelo Benjamin Moser, e que eu adorei, pois mesmo nos dedicando a outros projetos, o contato com a obra dela continua presente em nossas vidas.
14-Notícias: voltam com o Assovio?Estão criando algum outro texto?
Diego Ferreira – Sim, o “Assovio...” fez uma nova apresentação em março dentro da programação do “Teatro para Escapar”, mostra que organizamos para comemorar o dia internacional do teatro e do nosso 1º aniversário e cumpriu nova temporada na 1ª quinzena de abril, que foi muito bacana para nós, mas agora vamos manter este espetáculo em repertório, sendo que não temos nenhuma apresentação prevista para este ano, mas quem sabe retornaremos a cartaz com ele, enfim. Mas temos outros projetos para este ano, e o 1º deles já está acontecendo, que é uma Oficina de Montagem Teatral, onde terá como resultado uma montagem de um espetáculo que será apresentado em dezembro também na Estação. Em maio faremos uma oficina de dramaturgia e que teremos que apresentar uma leitura dramática sobre um texto da Sarah Kane, provavelmente em Julho ou Agosto, e estamos em processo de montagem do nosso próximo trabalho, “O Pequeno Príncipe” dirigido a todas as idades que estreará em abril de 2012. Este trabalho foi contemplado com o Fumdesc, que é o fundo de apoio a projetos artísticos da cidade, e que ficamos muito felizes de sermos contemplados. Então trabalho não nos falta, agora e se fechar novamente em sala de trabalho e criar.
15- Gostariam de dizer mais alguma coisa?
Diego Ferreira – Agradecer pelo espaço, pela presença e por nos auxiliar a difundir a nossa “válvula” a outras pessoas através do seu blog. Agradecer o seu olhar atento acerca do nosso trabalho e te convidar para estar sempre presente conosco. Gostaria também de divulgar o nosso blog, WWW.escapeteatro.blogspot.com, lá vocês podem encontrar muitas informações sobre o nosso trabalho. 
16 - Para mim foi um acréscimo ter estado com vocês. Muito do “Assovio no vento Escuro” já disse no comentário, que se encontra por aqui e no blog do grupo Válvula de Escape. Mas aqui ,falo do grupo, das pessoas e não somente da produção.Fico grata pela forma como vocês protagonizam uma diferença de postura, de condição para o artista de cada um: participante. Isso não é um texto que faz.São as pessoas!Esta marca que vocês inscrevem tão bem faz rasura sem retorno na nossa rua, na nossa vida, na nossa língua que é somente forma de falar. A cidade agradece numa postura já modificada em que subterrâneos são estações que dizem do tempo de antes de depois.
Diego Ferreira – É, percebemos também que o nosso “Assovio...” foi uma diferença mesmo no cenário cultural da cidade por vários motivos: oferecemos uma temporada contínua do mesmo espetáculo, o que não acontece na cidade; utilizamos um espaço não-convencional para apresentarmos um espetáculo; realmente é uma mudança de postura necessária e muito bem vinda, que venham novas propostas como esta, pois a cidade das artes tem que ter espaços para todas as diferentes linguagens artísticas. E o que você escreve nesta última questão é realmente poético e lindo, parabéns e obrigado. Beijos do Válvula a você também. Um grande abraço e até uma próxima.
Beijo com todas as letras
Adriana Bandeira
Diego Ferreira é ator, professor e diretor do Grupo válvula de Escape. Graduado em Teatro pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul. escapeteatro@bol.com.br
Adriana da Cruz é atriz e colaboradora do Grupo Válvula de Escape graduada em Direito.

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