quarta-feira, 22 de setembro de 2010

MEDICAMENTOS PSICOTRÓPICOS - Processo de Criação do Válvula de Escape


Quem trabalha com arte conhece como funciona um processo de criação: turbilhão de idéias,criatividade (e as vezes a falta de!), confrontos, conforto, loucura, idéias em grandes escalas, tédio, desânimo, alegria, encontros e desencontros, riso, choro, discussões e debates, raiva, iluminações e inspiração...,...,...!!! Num processo de criação de um grupo de teatro, não é diferente, pois tratamos e trabalhamos com a matéria humana, falamos sobre e para homens. Então administrar a loucura de um processo é as vezes muito difícil, e torna-se muito mais difícil quando algum integrante do grupo nos deixa. Foi assim lá no inicio do processo com o Giuliano e com a Maria Eduarda, foi assim com o nosso assistente e figurinista Fabrizio Rodrigues (Que nos confirmou que fará o nosso figurino!!!) e agora na última semana, foi assim com a Adri, que infelizmente teve que nos deixar por motivos particulares, mas que pelo menos ainda tem a possibilidade de retornar no ano que vem (oba!). 
Mas é assim, perdemos algo, mas ganhamos outros, talvez para suprir as perdas e com isso ganhamos mais dois colaboradores, Elton Ambrozí, que nos tem acompanhado com paciência e profissionalismo ímpar e criado uma trilha sonora maravilhosa, executando ao vivo, maravilha, e mais recente ganhamos o André, que não é ator, mas é filosofo, e está nos acompanhando e nos auxiliando na questão filosófica da construção cênica, e o pouco tempo que ele está conosco já pude perceber o quanto as suas colocações tem refletido em nosso processo. Abaixo transcrevo um breve texto que o André me enviou sobre o afastamento da Adri, mas o André foi muito além do simples comentário e teceu um pequeno e intenso texto que enfoca justamente o processo de criação de um grupo. Um olhar de fora, curioso e delicado sobre o fazer teatral que eu carinhosamente intitulei de MEDICAMENTOS PSICOTRÓPICOS.  
  
"ainda que só conheça a Adri a pouco tempo e não tenha participado do processo de criação da peça, quero me solidarizar com essa situação difícil e dolorosa que é o abandono temporário e provisório do grupo e, talvez principalmente, da "Glória" que a Adri criou a partir do seu corpo, da sua imaginação, do seu envolvimento com esse outro fictício q é o personagem literário. O teatro me parece ser mais do que essa atividade de ser outro, ou seja, o fato de que podemos imaginariamente nos projetar dentro dos sentimentos alheios e senti-los tais como eles são sentidos por esse outro; desse modo, o ator constitui seu personagem imaginariamente no lugar de um outro; e me parece ser isso mesmo que o teatro moderno descobriu: que o eu é uma ficção, uma máscara, algo que só existe na relação com o outro que surge no nosso espaço imaginário. Quero dizer também que gostei muito da "Glória" da Adri quando assisti o ensaio aberto da peça e que também nós sentiremos falta. Falo de "nós" ainda que minha participação no grupo seja menor e tímida, algo como um olheiro amador; mas me parece que uma coisa é fato: um grupo tão recente, com todas as dificuldades dos seus participantes em se reunir, composto, na sua maioria, por pessoas jovens e "iniciantes" ainda na arte teatral, já estar com uma peça difícil como essa quase pronta e no caminho certo é motivo de orgulho. Além disso, acho que sei como a Adri deve estar se sentido ao ter que tomar essa decisão, pois também sei o quanto é bom participar, estar junto de pessoas alegres, comprometidas, talentosas e inteligentes; o grupo é uma válvula de escape, mas uma válvula diferente dos medicamentos psicotrópicos que, como dizia a peça dos náufragos, apenas adormecem os dragões interiores sem os matar: trata-se de uma valvula que nos permite assumir nossos sentimentos através desse percurso pelo outro e não pela ignorância e indiferença do que somos e sentimos, pela simples fuga (não estou atacando os remédios que sei quanto são importantes nos tratamentos de doenças psíquicas e isso por experiência própria).
Beijos a Adri e ao restante do grupo,

André Susin
Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

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