domingo, 19 de dezembro de 2010

DESTAQUES DO TEATRO (2001-2010) REVISTA CULT

Gostaria de compartilhar com vocês, uma lista onde alguns especialistas elegeram, segundo as suas opiniões, os espetáculos mais expressivos da década, entre 2001-2010. A lista foi publicada na Revista Cult do mês de dezembro e segue abaixo. Os especialistas que elegeram os espetáculos são: Beth Néspoli, Fábio Priladnicki, Kill Abreu e Mauro Fernando.
Como cada espectador ou especialista tem o seu gosto ou preferencias não cabe contestar as escolhas pessoais, mas concordo com vários espetáculos citados e merecidos a serem citados em listas como esta, como: Ensaio. Hamleth, Os Sertões, Regurgitofagia, Aos que virão depois de Nós - Kassandra in process,   Toda Nudez Será Castigada (Armazém Cia. de Teatro), Otelo (Folias da Arte). 
Mas sinto falta de alguns espetáculos memoráveis que merecem destaque  como: "Aldeotas" de Gero Camilo, "Partido" do Grupo Galpão, "Pobre Super-Homem" de Sérgio Ferrara,  "Café com Queijo" do Lume, "os grupos "Teatro da Vertigem", "CPT", e Galpão. Mas escolhas e gosto não se discutem. Portanto dentro de alguns dias lançarei também a minha lista, ou seja, um apanhado dos mais de 300 espetáculos que já assisti, vou tentar sintetizar uma lista dos mais expressivos da década. 


Especialistas selecionam os destaques do teatro nacional na última década
ENSAIO.HAMLETH Cia. dos Atores
BETH NÉSPOLI
crítica de teatro
BR-3 (2006), Teatro da Vertigem, direção de Antonio Araújo
Pela potência dessa obra híbrida capaz de “des-velar” ao espectador o recalcado, o lixo, o resíduo que se quer invisível, mas cuja presença pode ser seguida à deriva por rios, periferias e seitas. Por essa trajetória errante somos conduzidos nesta encenação impactante, realizada dentro de barcos e às margens do Rio Tietê (SP), num percurso de 4 quilômetros, e na Baía de Guanabara (RJ).

Agreste (2004), Márcio Aurélio
Há uma rara convergência de qualidades nesta encenação. Os procedimentos de desdramatização (exploração da sonoridade textual em lugar do sentido imediato) e de desestabilização da recepção (movimentos coreografados, imobilidade total, estranhamento nos figurinos) buscados pelo diretor Márcio Aurélio contribuíram para ressaltar a contundente poesia deste texto de Newton Moreno, um dos mais talentosos dramaturgos da geração surgida na década de 1990.

Ensaio.Hamlet (2004), Cia. dos Atores, direção de Enrique Díaz
Um espetáculo que consegue transformar a “reflexão” sobre um texto em cena vibrante e atraente. O ensaio do título, nesta encenação de Enrique Díaz com a Cia. dos Atores, não significa só a preparação que antecede a estreia, mas também o ensaio no sentido de pensamento sobre, de dissecação teórica.


Os Sertões (2002), Teatro Oficina, direção de José Celso Martinez Corrêa



Ao baixar no terreiro eletrônico do Oficina, o ensaio de Euclides da Cunha sobre o massacre de Canudos transforma-se em exuberante transposição cênico-musical, cinco espetáculos num total de 18 horas, e atrai um público jovem que “refaz e atualiza” com os atores do Uzyna Uzona a gradual “descoberta” do Brasil profundo realizada pelo autor desse livro relevante e lido por poucos.



FÁBIO PRILADNICKI 

jornalista e crítico de teatro do jornal Zero Hora

 Kassandra in Process

In Surto (2001), Falos & Stercus, direção de Marcelo Restori
Mesclando teatro, dança e circo, sem medo de rótulos, a companhia é uma das mais inovadoras do país. Este espetáculo, em que empregam a técnica do rapel e tratam da questão da loucura, faz parte de um conjunto de projetos mais individuais dos integrantes, embora em coerência com a proposta coletiva de que ação e texto são indissociáveis.

Regurgitofagia (2004), Michel Melamed
Uma ideia engenhosa: e se o performer levar um choque cada vez que o público se manifestar ruidosamente? E se o espetáculo for inteligentemente divertido, reescrevendo a ideia da antropofagia na era dos excessos (agora é preciso vomitar)? Ninguém vai se importar se não for exatamente “teatral” esse conceito escorregadio.

Aos que Virão Depois de Nós – Kassandra in Process (2002), Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz
Há 32 anos, o grupo aposta em um projeto estético-político que se realiza aqui na plenitude, por meio do que eles chamam de teatro de vivência. Percorrendo ambientes, apurando o olfato, bebendo das mãos dos “atuadores” (como se autointitulam), o público experimenta uma releitura do mito grego atualizada aos novos tempos de guerra.

Toda Nudez Será Castigada (2005), Armazém Cia. de Teatro, direção de Paulo de Moraes
Com soluções cênicas surpreendentes, a companhia londrinense radicada no Rio, dirigida por Paulo de Moraes, realiza uma montagem que não se verga ao peso do clássico moderno de Nelson Rodrigues. A criatividade do trabalho do grupo culminaria no tocante espetáculo Inveja dos Anjos (2008), com dramaturgia própria.

Não sobre o Amor (2008), Sutil Cia. de Teatro, direção de Felipe Hirsch
Se fosse preciso escolher apenas uma qualidade da parceria entre Felipe Hirsch e Daniela Thomas, seria a capacidade de deslumbrar o público com um teatro de imagens sem abrir mão da palavra. Neste espetáculo de câmara, as características da companhia estão compactadas, como se visto por um binóculo ao contrário.

KIL ABREU 

jornalista ecrítico de teatro
Os Sertões
Os Sertões (2002), Teatro Oficina, direção de José Celso Martinez Corrêa

Zé Celso Martinez é provavelmente um dos artistas com trajetória mais longa e importante entre aqueles que surgiram ainda no seio do nosso modernismo. E esta leitura iluminada de Euclides da Cunha foi um fenômeno de invenção que dificilmente se repetirá com a mesma potência nos próximos anos. O que o Oficina Uzyna Uzona arquiteta ali é uma síntese histórica inquieta, que faz o passado refluir e provocar o presente, em um espetáculo de incrível vitalidade.

Visões Siamesas (2004), Cia. do Latão, direção de Sérgio de Carvalho
A companhia está entre os grupos mais produtivos na linha do teatro político no Brasil. E este espetáculo já revelava uma questão central, que viria a se confirmar nos anos seguintes: sem poder contar com as coordenadas tradicionais que sustentavam a cena engajada – já neutralizadas –, e diante da necessidade de reinventar os procedimentos de um teatro crítico não meramente ideológico, seria preciso lançar-se à experimentação. E este é um dos mais experimentais da companhia. Ensaio.Hamlet (2004), cia. dos atores, direção de enrique díazEntre outros espetáculos excelentes da companhia carioca, este é o que sinaliza com melhor resultado alguns procedimentos performáticos que envolvem a representação. Entre eles o de suspender o representado para expor o próprio processo de construção das cenas. No caso, fazendo um cruzamento entre a história de Shakespeare e a dos próprios atores enquanto atuam. Um tipo de estratégia que com a companhia é afirmação inteligente de um jogo com as convenções do teatro, sem perder de vista a necessidade de atuações sustentadas e a direção inventiva que notabilizou o grupo.

Por Elise (2004), Grupo Espanca, direção de Grace Passô
O primeiro e provavelmente o mais bonito espetáculo do jovem grupo mineiro Espanca. São quadros cotidianos, cenas da vida ordinária. Usando a permissividade do teatro contemporâneo, misturada a influências de Brecht e uma afinada sensibilidade poética, a dramaturga e diretora Grace Passô levantou, com base em histórias comuns, um dos espetáculos mais singelos e comoventes dos últimos anos.

MAURO FERNANDO 

membro da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA)

Otelo


Os Sertões (2002), Teatro Oficina, direção de José Celso Martinez Corrêa
Baseadas na obra de Euclides da Cunha, as cinco partes que compõem Os Sertões escoram-se na cultura popular, multifacetada. E edificam em 27 horas um tonitruante painel que aborda as relações entre oprimidos e opressores de todos os matizes, do econômico ao cultural. Teatro dionisíaco, fértil, transcendente, singular, de resistência ao mercadão das artes.

Otelo (2003), Grupo Folias D’Arte, direção de Marco Antonio Rodrigues
As relações entre metrópole e colônia, entre classe dominante e povo, e o papel de um líder nesses embates elevam esta montagem do texto shakespeariano a um patamar bem superior ao da tríade ciúme-inveja-vingança, ao do senso comum. As soluções cênicas criativas e a inclinação brechtiana da direção dão o tom contemporâneo do espetáculo.

BR-3 (2006), Teatro da Vertigem, direção de Antonio Araújo
Dramaturgia de Bernardo Carvalho, invenção cênica – sobre as águas do Rio Tietê – ousada e grandiloquente que esmiúça a identidade de uma nação profunda. Uma experiência teatral intensa e radical. Ao mesmo tempo, um aprofundamento na questão do espaço cênico – o palco tradicional responde plenamente ao teatro do século 21?

Aquidentro/Aquifora (2009), Opovoempé, direção de Cristiane Zuan Esteves
Dois espetáculos conjugados com cinco atrizes-criadoras e dramaturgia assinada pela diretora, de uma sutileza vibrante e uma delicadeza desconcertante, em dois momentos – uma viagem pelo centro paulistano e um palco não convencional. Um convite a um olhar diferenciado sobre a cidade e, portanto, sobre os costumes da população (Aquifora), e sobre si próprio (Aquidentro). Uma sugestão para as dores da civilização.

Quem Não Sabe Mais Quem É, o que É e Onde Está Precisa se Mexer (2009), Cia. São Jorge de Variedades, direção de Georgette Fadel
Bem-humorada e irreverente peça em rara sintonia com premissas do teatro pós-dramático – rompimento com a postura passiva do público, oposição à sociedade de consumo. Uma discussão sobre a utopia inspirada na obra de Heiner Müller, com dramaturgia da própria companhia. Uma provocação de caráter anárquico, com cenas na rua e na sede do grupo.

Um comentário:

  1. Oi Diego, só para relembrar: A BOTA E SUA MEIA é um espetáculo de 1997, dirigido por Camilo de Lélis, portanto não poderia entrar nessa listagem da CULT. para maiores informações sobre o espetáculo, consulta o verbete que escrevi para a Enciclopédia Itaú Cultural no seguinte endereço: http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=espetaculos_biografia&cd_verbete=9017&lst_palavras=&cd_idioma=28555
    Também escrevi os verbetes do Luciano Alabarse e do Ivo Bender.
    Abraço!

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