Sobre a sensibilidade do artista ou a capacidade de revelar o sofrimentoSegundo Freud, as forças mentais relativas ao princípio do prazer manifestam-se, principalmente, relegadas para o inconsciente e operando através dele. O consciente é, por sua vez, regido quase somente pelo princípio da realidade. Nesta cisão, o homem é afastado de seus anseios e acaba vivendo em contato não com o objeto que deseja e busca, mas com um mero reflexo incapaz de causar satisfação. Desta forma, o princípio de realidade não contém tantos aspectos que possam ser chamados de reais.Para tentar reunir estes dois mundos, o do princípio do prazer com o da realidade, a criança utiliza a brincadeira. Ela cria um mundo seu, no qual os erros do mundo presente são corrigidos e ela, no meio desta brincadeira, tenta suprir as necessidades que lhe são negadas de satisfação na vida diária.Com o passar do tempo, o principio da realidade acaba se impondo e o adulto perde quase por completo o contato com o mundo da fantasia. O artista é, então, aquele que ainda possui um pouco do espírito da criança e é capaz de se retirar para o mundo da fantasia no momento de sua criação.Arte é assim uma expressão de revolta contra a repressão brutal que impede a felicidade. A obra de arte exprime a dor de não podermos ter simplesmente e imediatamente o nosso objeto de desejo, e acaba servindo como um protesto a favor da liberdade, da possibilidade de se viver por inteiro e conquistar a felicidade.As pessoas grandes não entendem nada ou sobre a gênese da burriceDois brilhantes teóricos, Theodor Adorno e Max Horkheimer, utilizam em seu texto “Sobre a gênese da burrice” a antena do caracol como um símbolo da inteligência. Essa antena é responsável pela “visão tateante do caracol e, segundo o personagem Mefistófeles em Fausto, é, através dela, capaz de cheirar”. Adorno e Horkheimer utilizam como símbolo da inteligência um órgão responsável pela sensibilidade.Sensibilidade é o instrumento que Antoine de Saint-Exupéry utiliza ao narrar a realidade no “Pequeno Príncipe”. Com o uso dessa sensibilidade, o autor foi capaz de concluir brilhantemente a primeira parte da obra que descreve o processo de emburrecimento da criança.Saint-Exupéry relembra um fato da sua infância, quando viu em um livro sobre florestas a imagem de uma jibóia devorando um animal inteiro, sem mastigar. Impressionado com a gravura, ele tentou fazer um desenho que representasse o que havia aprendido: fez uma cobra que devorara um elefante inteiro. Os adultos não compreenderam, e ele foi aconselhado a largar os desenhos e se importar com coisas mais “sérias”, como os estudos de matemática e geografia. Assim, segundo o próprio autor, deixou de lado uma promissora carreira de pintor aos seis anos de idade.Esta história remete ao caracol e à sua respectiva antena. Adorno diz que a inteligência é como a antena do caracol, que vai tateando o caminho a fim de conhecer o percurso. Quando encontra algum obstáculo, a antena se esconde no abrigo protetor do corpo e espera um longo período até ter coragem de novamente se expor ao mundo. Se o perigo ainda estiver presente, a antena se esconderá novamente, ficando desta vez escondida por mais tempo. O inicio da vida intelectual da criança é tão delicado quanto essa antena.O autor de “O Pequeno Príncipe” sofreu em sua infância um tanto desta mutilação. Quando, ao apresentar o desenho aos adultos, foi repreendido, escondeu sua criatividade para não se afastar do normal. O medo de que seus pais deixassem de lhe amar se ele fosse diferente fez com que ele negasse e abandonasse o direito à sua inteligência, como forma de manter-se na forma medíocre da sociedade atual.Em outros momentos do livro, o autor relata nas ‘pessoas grandes’ o efeito desta mutilação, um enrijecimento dos adultos. Todos apresentam uma postura repetitiva, compulsiva, que busca incessantemente pelo nada. Estando eles cercados por um muro, não compreendem a realidade e acreditam que a simples idiotice própria é sinal de seriedade e maturidade.Sobre a formação da individualidadeNo livro, a raposa ensina ao Pequeno Príncipe a importante lição de que as coisas só ganham sentido quando se conhece a amizade. O Pequeno Príncipe compreende que apesar de o mundo ter milhares de rosas, a rosa de seu planeta era única, pois somente ela era mantenedora de seu amor, de seu afeto.É estranho conceber que o processo de individuação não esteja ligado única e exclusivamente ao próprio sujeito que busca este estágio, mas tornar-se individuo só é possível quando existe o outro. Não é possível ser único, se não for para alguém.Voltando à lição da raposa, ela diz: “o essencial é invisível aos olhos”. A individualidade se faz nas pequenas coisas, nos detalhes que muitas vezes são esquecidos. É através do afeto direcionado ao objeto que faz com que ele se torne diferente dos demais objetos. Um jeito de sorrir, um pequeno defeito, ou mesmo uma mania apaixonante são os reais responsáveis por que o sujeito possa ser, então, considerado único. Do contrário, sem estes atestados de afeto tão simples e quase imperceptíveis, todo o resto seria desperdiçado e o indivíduo não passaria de mais um entre muitos.Como diz o Pequeno Príncipe, “o que torna belo o deserto é que ele esconde um poço em algum lugar”. Quando ganhamos um presente, ele carrega o sorriso de quem o deu, a expectativa no desembrulhar. Se fosse somente o presente em si, este não seria nada além de uma casca.Poucos são os capazes de desfrutar destes pequenos detalhes, a maioria acaba acreditando que estas cascas são o conteúdo que buscam. Nunca encontrarão felicidade, viverão nessa eterna busca que não chega a lugar algum. Mas sobre isso, prefiro que o próprio Pequeno Príncipe dê seu conselho:“_ Os homens de teu planeta cultivam cinco mil rosas num mesmo jardim... e não encontram o que procuram...”“_ E, no entanto, o que eles procuram poderia ser encontrado numa só rosa, ou num poço de água.”“_ Mas os olhos são cegos. É preciso ver com o coração...”
Fonte: Overmundo
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