sábado, 19 de abril de 2014

OLHARES IMIGRANTES: ENTREVISTA COM EDGAR BENITEZ (SP)

José Renato e Edgar Benitez em Inflexíveis Ligações
Olhares Imigrantes é uma série de entrevistas com profissionais do teatro que imigraram para outras cidades do país ou fora dele para continuar seus trabalhos e estudos. Iniciamos com Edgar Benitez que está residindo em São Paulo desde 2010 e nos conta através desta entrevista como tem guiado seu trabalho. 


1. Edgar, conte-nos como iniciou sua trajetória no teatro e o que te motivou a buscar essa arte? 
Antes, de mais nada obrigado pelo convite de poder tecer alguns comentários sobre minha trajetória. Obrigado de coração!!! Bem, desde muito cedo quis atuar; na escola mesmo muito tímido, fazia espetáculos na disciplina de “religião”, e ficava encantado, assim também permanecia, quando assistia a novelas maravilhosas como “Que Rei sou eu?”, “Carrossel”,  “Tieta”, “Vamp” entre outras. Logo, meu maior sonho era ser ator, mas como não tinha condições de pagar por um curso de teatro/televisão protelei meus sonhos, até que um belo dia uma colega do colégio, me informou que havia uma oficina de teatro gratuita, perto de minha casa. Sem perder tempo me inscrevi, era o ano de 1998, e nela permaneci até ser desativada em 2000. 

2. Como se deu sua formação em teatro em Porto Alegre? Como mencionado, inicie minha trajetória teatral, nesta oficina, perto de minha casa, localizada na periferia da capital gaúcha. Ela foi desativada em 2000, pois a prefeitura(era um projeto chamado “Descentralização da Cultura”, financiado pelo município) acreditou que os integrantes dessa se tornaram profissionais, e poderiam seguir uma trajetória independente. E assim nasceu o Grupo Teatral Bacantes, fundado em 2000, no qual fui ator, diretor e produtor, durante 10 anos. Paralelo a isso, comecei a ministrar oficinas teatrais, também na periferia de Porto Alegre, bem como ingressei na faculdade de teatro( UERGS - Universidade Estadual do Rio Grande do Sul).
Marcos Rangel e Edgar Benitez em Perversus
3. Conte-nos sobre o Grupo Bacantes, sua história e suas ações? 
O grupo foi oriundo da oficina teatral Parque dos Mayas, dentro do projeto já citado, e nasceu em 2000. Já neste ano, fomos convidados a participar do Festival de Teatro de Curitiba, com os espetáculos “A Guerra” e “Noites de Sexo & Violência”, ambos dirigidos por Marcelo Restori(diretor do Grupo Falos & Stercus), ainda quando oficineiro do projeto. Paralelo, a isso fomos convidados a reabrir um projeto denominado “Caras Novas”, o qual apresentamos “Noites de Sexo & Violência”. Infelizmente, ambas montagens não tiveram carreira longa, visto que boa parte do elenco, não quis seguir investindo na carreira artística. Assim, em 2001, totalmente independentes, seis ex-oficinandos “correram atrás” de Marcelo Restori, para dirigir o espetáculo “A Taverna”, baseado no texto “Noite na Taverna” de Álvares de Azevedo. Esse trabalhos nos apresentamos algumas vezes, e era calcado numa estética firmemente corporal(quase uma mescla de teatro/dança) , advinda dos treinos e estudiosos que Restori nos apresentava. Alias, toda a trajetória do grupo, foi focada em uma estética de teatro/dança, bastante inclinada a performance. Então, no final de 2003, precisávamos de um diretor mais presente e queríamos prosseguir com nossas pesquisas( corporais e estéticas), assim, na época eu, mais dois atores (José Renato Lopes e Marcos Rangel), atuamos e dirigimos em coletivo a peça “Perversus”, com texto assinado por Wagner Ragide(na verdade meu texto... rsrs... mas como não queria ser julgado, assinei com um pseudônimo... rsrs). A peça fez poucas apresentações, mas foi bem recebida pelo público. Já em 2004, o grupo recebe seu primeiro financiamento para montagem do espetáculo “Romeu e Julieta Invertido”, com direção de Marcelo Restori. Nesse ano, eu me afastei do grupo por um tempo, embora sempre em contato(afinal eu era o proponente da peça financiada e assinava todos os cheques para elenco e equipe técnica, além de grande amigo de José Renato Lopes, último integrante originário da formação do grupo, que me deixava a par de como andavam as coisas) e só retomei em 2005 como diretor e ator. E assim, dirigi e atuei em alguns trabalhos como: “O Retorno da Deusa”; “Mario Quintana - Homem pássaro”; “Cópula”; “O Gato Preto”; “Sou a criatura do que vejo – Identidade Anônima” e “Inflexíveis Ligações”. Além, de ministrar oficina demonstrando ao público o processo de criação dos espetáculos, bem como de nosso treinamento. Lógico sabemos, que “nem tudo são flores”, mas durante esse tempo ao qual permaneci no Bacantes, aprendi muitas coisas com meus colegas, assim como devo ter trocado algo com eles. Era triste nos sentirmos sempre marginalizados por advirmos de um projeto de periferia, e buscar o centro da cidade para espaço de ensaios e apresentações de espetáculos, e sermos sempre colocados como os “últimos da fila”. Assim, fomos aprendendo a recorrer a autoridades políticas, para solicitar parcerias, pois sem espaço e verba é praticamente impossível se fazer qualquer tipo de arte. Mas, a dificuldade foi aumentando, as limitações eram recorrentes, os interesses de cada um dos integrantes começou a se desencontrar... e assim, cada um de nós tomou um rumo, e o Grupo Teatral Bacantes por enquanto hiberna... mas ainda há de despertar!!!

4. Você diz que assinou um texto com um pseudo por medo de julgamentos, certo? Como você se sente hoje em relação a isso? O que pensa sobre isso e o que acha da crítica teatral?
Assinei o texto "Perversus" com um pseudônimo, pois era um primeiro texto meu que levava a público. E o novo sempre é mais julgado, os espectadores, especialmente a critica vai "armada" e jamais aberta. Alias, esse foi outro aspecto que aprendi nos trabalho que vejo em São Paulo/SP, a estar desarmado.... mas sim, nós artistas sempre usamos o olhar critico, mesmo assim precisamos estar a par do contexto e da situação. Outro dia fui numa mostra de teatro internacional aqui em sampa, e assisti um espetáculo muito instigante da Palestina,( o qual não vou citar nome) mas por exemplo achei muitas das ações "quase amadoras" ao meu ver. No entanto, ao ler o programa  da peça vi que se tratava de um grupo de atores que faziam em meio a todo caos de guerra que o país sofre, e inclusive integrantes do grupo haviam sido assassinados. Lógico, essa é uma situação limítrofe, mas afinal o que é arte, esse grupo como muitos outros artistas tem seus limites. Um artista que nasceu em uma família com dinheiro, pode fazer na infância, juventude, etc... aulas de bale, piano e canto... e então? será que esse artista, não vai se diferenciar de outro? Temos que ser maleáveis e a critica teatral também.
Edgar e Antônio Petrin
5. Qual foi o momento que você decidiu sair de Porto Alegre rumo a São Paulo? E porque São Paulo? 
Sempre quis sair, sempre.. pois sempre quis atuar na televisão... e sabia que a televisão acontece em São Paulo e no Rio de Janeiro. Além das limitações sofridas pelo teatro em outras cidades brasileiras que não essas duas. Sejam a ausência de público, espaços e incentivos financeiros... e eu não agüentava mais passar por isso no sul. Não, que em São Paulo e Rio de Janeiro, seja o paraíso da cultura, pois não é... mas sim... se tem mais público, mais espaços e mais incentivos financeiros. E o desejo de atuar na televisão, sempre me agradou pela possibilidade de um público conhecer-me de algum modo e se interessar em ver os espetáculos que atuo e dirijo, com uma mente mais aberta. Não sei, se ainda acredito piamente nisso, mas de todo modo, meu maior sonho é atuar em televisão. E o engraçado e que me recordo de uma aula teórica durante meu período na faculdade de teatro,  onde eu defendia que todo ator sonha em atuar na televisão(ainda acredito nisso, pois afinal televisão, teatro e cinema, são veículos de atuação... ora e todos tem suas vantagens e desvantagens, porque um é celebrado e outro marginalizado?),  nisso gerou-se um longo debate, e um de meus colegas (daqueles que tudo precisa um porque, para que, etc? ) foi totalmente radical em seus argumentos, renegando a televisão. Logo entramos de férias, e minha colega me pede para ligar a televisão e ver quem estava no elenco da “Malhação” da Rede Globo... para minha surpresa era o tal colega. Para finalizar escolhi São Paulo, porque acho que o Rio de Janeiro, é muito banalizado para essa questão de “quero atuar na tv”(assim todo mundo vai morar lá, com isso na cabeça), e eu não tenho “cacife” para concorrer com tanta gente esteticamente linda, prefiro mostrar trabalho e ser convidado. 

6. Como foi a sua chegada a São Paulo? Foi o que você esperava? Como tem acontecido a vida por aí? 
Já tinha vindo de passagem em 2009, e fui conquistado pela cidade. Acabei a faculdade e me mudei em janeiro de 2010. Bem, sabe aquela frase “São Paulo é uma selva de pedras”? Então, ela é... e o que se encontra numa selva? Novidades, medo, belezas... Costumo dizer que essa cidade é uma mãe, uma mãe “dura” que ensina na marra, mas tem carinho por você. A chegada e a vida aqui, se mantém, como em muitas outras cidades.. porém aqui os horizontes de trabalho se abrem nitidamente, e tudo muda muito rápido. Há muita possibilidade de crescimento, de trocas... a cidade possui muito dinheiro e isso a torna mais rica logicamente, facilitando muitas coisas. Bem, meu único arrependimento, nesses meus 31 anos, é não ter vindo para cá antes... pois sinto que aqui tive que começar do zero, mesmo com toda bagagem que experimentei no sul. Pois, vim sem conhecer absolutamente ninguém, nenhum grupo teatral, ator ou atriz, diretor, autor... nada.. sem indicação nenhuma (premissa básica do meio cultural)... vim na “cara e na coragem”. E quem me conhece sabe que não sou de “puxar saco” de ninguém, nem fazer aquela politicagem de interesse.. sou muito humilde e verdadeiro com todo mundo. E assim, tenho sido... e com isso, naturalmente, sem forçar, fui conhecendo pessoas maravilhosas, que abriram portas para mim; como o produtor e diretor Eduardo Figueiredo, ao qual sou eternamente grato. Quanto ao que esperava... bem, vim atrás de meus sonhos e neles mantenho meu foco. E acho que tenho me surpreendido bastante com a ética que empenho em direção aos meus objetivos.

7. Como os paulistas enxergam o Teatro Gaúcho? E como o Edgar, vê hoje o Teatro Gaúcho, com este olhar distanciado?
O pessoal respeita e admira muito os artistas do sul, se tem muita abertura aqui para receber trabalhos advindos de outros locais. Quando falo do teatro que se faz em Porto Alegre/RS, sempre falo com orgulho que somos muito críticos e tremendamente profissionais... e que acredito que o teatro no sul se faz assim, pois apresentamos muito para colegas da classe artística. Logo, nos empenhamos com muita garra para sermos aceitos e mostrar o quanto temos potencial e somos bons. 

8. O que mais tem saudades tratando-se da vida cultural aqui dos pampas? 
Sem duvida do meu trabalho em grupo, do treinamento que fazíamos e da dedicação e seriedade com que montávamos nossos espetáculos.

9. Edgar, o que tem feito por aí? Quais são teus projetos? Renasci aqui em 2010... portanto nesse ano, completo 04 anos, e já começo a andar!!! Sinto-me feliz demais! Como já citei Eduardo Figueredo, produtor e diretor( hoje também meu amigo), me abriu as portas do mercado cultural em 2011. Assim, fiz alguns trabalhos para ele como assistente de direção, como produtor cultural, e como produtor de eventos. Esse ano ele vai me dirigir  no espetáculo chamado “O Escrevinhador e a Guardadora de Livros”, ao qual fomos aprovados para captação pelo Proac-ICMS(programa de captação de recursos em São Paulo) , vale lembrar que ainda estamos captando. Paralelo a isso, estou com dois projetos bacanas como diretor, um solo e outro espetáculo de entretenimento com a atriz Ellen Rocche no elenco. 

10. Quais são tuas referencias teatrais que ficaram por aqui e as tuas referencias de SP? 
Acho que a maior mudança foi deixar de ser tão critico, e ser mais disponível a outros tipos de fazer teatral. Como por exemplo tinha muito preconceito com o teatro de entretenimento, mas hoje não tenho nenhum, pois aqui em São Paulo, se faz esse tipo de trabalho com um empenho e profissionalismo tão grande, que o resultado sai fenomenal. No sul também, mas como a classe artística é muito acadêmica, fica pressa a estéticas e nomes de estudiosos. Sempre aprendi que para se fazer teatro, não se pode ter preconceito, e aqui em São Paulo, não tenho nenhum, vejo tudo com grande disponibilidade.   
11. São Paulo em relação a políticas públicas? Como se dá esse processo por aí? O que tu destacaria positivamente e negativamente? 
A cidade tem mais espaços, mais incentivo e mais público... mas também tem mais profissionais no mercado. Há muito o que se melhorar, percebo que grupos antigos sempre são prioridade para serem contemplados em editais e leis de incentivo, como no sul também. O custo de vida é alto na cidade, e para isso os artistas tem que trabalhar muito. Uma grande possibilidade de sustento,  aqui é ministrar oficinas e cursos de teatro, pois existem muitas ofertas de vagas em projetos sócio culturais. Acho negativo,  termos que captar recursos através de ICMS no estado de São Paulo, pois o governo poderia administrar essa verba e abrir editais, ofertar bolsas, etc... pois captar recursos é terrível, as empresas  só querem fazer publicidade gratuita com essa dedução, e se o seu projeto não der grande visibilidade a ela, não interessa. É o que muitos artistas dizem, essa pode ser uma das maiores censuras de todos os tempos. 

12. Indique alguns espetáculos e grupos que são referencias hoje em São Paulo? 
Como trabalhei muitos anos e comecei minha trajetória em grupo, em São Paulo, não acompanho o trabalho de muitos grupos, mas destaco o “Pessoal do Farroeste”, já assisti três trabalhos deles, e não faço ressalva nenhuma, só aplaudo. E, cito o atores e diretores independentes “Elias Andreato”e “Otávio Martins”, por todos trabalhos que assisti deles, e sempre saio em estado de alegria profunda. Quanto aos espetáculos, não sei citar nenhum, pois há tantos bons trabalhos, e ao mesmo tempo é tudo tão transitório que não me vem nomes em mente.

13. Pretendes retornar a Porto Alegre? 
Somente para algum trabalho fechado, e datado. Morar não. 

14. Indique outro profissional de teatro que também foi morar por aí para realizar uma entrevista. 
Sissi venturin

15. Grato e abraços! 
Eu quem agradeço, de coração. Obrigado por registrar as palavras de teus colegas. Parabéns pela iniciativa!!!

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