segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

DRAMATURGIA EM FOCO: BERTOLT BRECHT Parte 1

“Quem, hoje em dia, quiser combater a mentira e a ignorância e escrever a verdade tem de vencer, pelo menos, cinco obstáculos. Tem de ter coragem de escrever a verdade, muito embora por toda a parte ela seja encoberta; tem de ter a arte de a tornar manejável como uma arma; tem de ter capacidade para ajuizar, para selecionar aqueles em cujas mãos ela será eficaz; tem de ter o engenho de a difundir entre estes.”
Famoso por sua concepção inovadora do teatro, Bertolt Brecht coloca nessas palavras as coordenadas que orientaram todo seu trabalho artístico. Para ele, a poesia e o teatro não eram simplesmente maneiras de expressar a sensibilidade específica de um indivíduo, mas elementos ativos e dinâmicos dentro do processo  social, cuja função seria determinar a verdade de cada acontecimento. Mas, por outro lado, Brecht não empregava o termo verdade como algo abstrato, no qual se deve crer em virtude da fé, e sim como uma demonstração da maneira pela qual os fatos ocorrem. Assim, o teatro seria um meio de levar as pessoas a raciocinar sobre o mundo que as cerca e de chegar às verdades sociais mais amplas.
A formação desse pensamento crítico levaria, de acordo com Brecht, a uma participação consciente do indivíduo na vida da coletividade. E essa participação implicaria uma adequação ao processo de mudança das coisas. Acreditando que a humanidade está constantemente evoluindo e transformando suas instituições —mesmo nos períodos históricos em que tudo parece imutável — Brecht via na busca da verdade o único caminho para uma arte consciente. Verdade que, afirma ele em um de seus artigos, estaria ligada à transformação das coisas e ao surgimento de uma nova era, pois  “não há de pôr em dúvida que, no país onde vivo, se trabalha para a modificação do mundo, para a modificação do convívio dos homens. E talvez estejam comigo quanto a haver necessidade de uma transformação do mundo”. 

A CRÍTICA AO EXPRESSIONISMO

Poeta e teatrólogo, Bertolt Brecht nasceu em Augsburg, na Alemanha, a 10 de fevereiro de 1898. Estudou Medicina e Ciên­cias Naturais em Munique e, já em 1914, publicou seus primeiros poemas. Em 1924, mudou-se para Berlim, onde se engajou no Deutsches Theater, trabalhando com diretores como Max Rei­nhardt (1873 - 1943) e Erwin Piscator (1893 - 1966).
Sua formação artística foi bastante influenciada pelo movi­mento expressionista, que ele, entretanto, captou de forma espe­cialmente crítica. Essa crítica vinculava-se a suas concepções políticas, que viam no expressionismo uma forma de alienação. Na verdade, os expressionistas ligavam-se ao momento histórico bastante complexo vivido pela Alemanha. Com a reconstrução do país após a Primeira Guerra Mundial, as mais diversas forças sociais permeavam as várias camadas da população alemã, pro­vocando diferentes concepções de vida e expectativas contraditó­rias quanto ao futuro. Vivendo num constante clima de caos polí­tico, muitos voltavam-se para a experiência russa — então no início —, que buscava edificar uma nova ordem social. Outros encontravam no passado e no desejo de reviver o Santo Império Romano Germânico a esperança para um presente tumultuado. Mas havia também os que se refugiavam num cinismo sardônico, assumindo uma atitude de desprezo e rebelião total.
Acreditando na salvação do homem por meio do desenvolvi­mento espiritual, os expressionistas afirmavam, de acordo com as palavras de um de seus bastiões, Theodor Dauber, que  “nossa época possui um grande desígnio: uma nova erupção da alma”. Caracterizando dessa forma os anseios de alguns setores da socie­dade alemã, os expressionistas possuíam uma crença em comum: a fé no eu absoluto.
De acordo com eles, as coisas nada significariam por si mes­mas, mas somente em função do que cada indivíduo acredita que elas sejam. Segundo o crítico Anatol Rosenfeld,  “o autor ‘expri­me’ suas visões profundas propondo-as como mundo. Este é ape­nas expressão de uma consciência que manipula livremente os elementos da realidade, geralmente deformados segundo as neces­sidades expressivas da alma que se manifesta. A idéia profunda plasma sua própria realidade”.
Os teatrólogos expressionistas passam a dedicar-se à cons­trução de heróis, que simbolizam o homem como entidade abstrata. Em sua história, o herói é encarregado de mostrar tanto sinais do apocalipse como a esperança que deposita num futuro utópico.
Essa tendência tornou-se nítida quando o teatro expressio­nista passou a colocar personagens cada vez menos individualizados em cena. E, na medida em que representava idéias abstratas, o herói expressionista terminou por viver, no palco, uma derrota temporal e uma vitória espiritual ante uma sociedade imutável. Formalmente, as peças passaram a se caracterizar por uma estrutura típica: o Stationendrama.
Brecht, que via a história da humanidade como um processo dialético de transformação, baseado nas forças econômicas, não aceitava essa perspectiva abstrata de apresentação da realidade humana. E viu o expressionismo através de um filtro critico já visível em suas obras de juventude.
A primeira delas, Baal, escrita em 1918. possui a estrutura de um Stationendrama. Mas a peça é mais uma paródia das obras expressionistas do que propriamente uma peça escrita nesse esti­lo. Assim, enquanto as personagens expressionistas buscavam a contínua exaltação do espírito, Baal se revolve na matéria com um deleitoso horror: (. . .) “era um lugar em que alguém pode se sentir  satisfeito de ter  em cima as estrelas e  embaixo os   pró­prios    excrementos”. (. . .)
Sua segunda peça, Tambores na Noite (Trommeln in der Nacht, 1922). também mostra essa reflexão crítica em relação ao expressionismo, com personagens individualizados e um tempo historicamente determinado. A peça narra a tomada do bairro dos jornalistas por um grupo de trabalhadores fato de repercussão na época. Relacionada com a própria participação política de Brecht — que chegou a integrar um conselho de traba­lhadores e soldados de Augsburg —, Tambores na Noite desmiti­fica os heróis expressionistas, que buscavam valores transcendentes e mostravam um apego animal aos valores burgueses.
Em 1921, viajando para Berlim, Brecht dedica-se a uma nova obra, de caráter experimental. Ao buscar, de acordo com suas afirmações, “formas teatrais que correspondessem ao espíri­to de nossa época”, criou Na Selva das Cidades (Im Dickicht der Städte, 1922), concebida com a estrutura de um combate de boxe. Nessa peça, George Garga, um pequeno empregado de li­vraria em Chicago, e Shlink, um homem rico, lançam-se a uma luta sem quartel, na qual o segundo procura comprar a opinião do primeiro. Logo em seguida, Brecht inicia uma fase de produ­ção bastante fecunda, com a adaptação, em 1923, de uma peça de Christopher Marlowe, Vida de Eduardo II da Inglaterra (Le­ben Eduards des Zweiten von England); trabalhou numa encena­ção de Macbeth, de Shakespeare, e na criação de quatro peças em um ato: O Mendigo, A Expulsão do Diabo, Lux in Tenebris O Casamento. Nessas obras, gradativamente, Brecht se distan­cia dos dramas expressionistas, formulando concepções estéticas já bastante inovadoras. Como, aliás, soube perceber então o críti­co Herbert lhering: “. . . Bertolt Brecht, um poeta de vinte e qua­tro anos, mudou o rosto da poesia alemã. Com Bert Brecht nas­ceu um novo tom, uma nova melodia, uma nova forma de ver”.


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