terça-feira, 24 de janeiro de 2012

DRAMATURGIA EM FOCO: BERTOLT BRECHT Parte 2

UM TEATRO BUMERANGUE 

Por volta de 1926, com a estréia de Um Homem é um Ho­mem (Mann ist Mann), já se percebem novas e profundas trans­formações no teatro brechtiano. O palco deixa de ser um local onde sobretudo se conta uma história, para se tornar também o espaço onde se efetua uma mudança. Assim, em Um Homem é um Homem, o personagem central, Galy Gay, é levado a trans­formar-se num soldado e, mais tarde, torna-se um deus por seus atos durante a guerra. Na obra, cresce a idéia do homem como um ser transformável, capaz de ser montado e desmontado várias vezes. Assim é demonstrado que o mundo muda e que o homem também é modificado pelo mundo.
Mas é com Sermões Domésticos, livro de poesia editado por Brecht em 1926, que se pode entender suas novas idéias estéticas e a interação dessas com suas concepções políticas. Sobre esse aspecto, comenta Walter Benjamim: “. . . a fonte de inspiração é a sociedade burguesa  (. . .), se reina a anarquia, se esta dirige a existência burguesa, há que chamá-la por seu nome. E as for­mas poéticas com que a burguesia se adorna lhe parecem ainda bastante aceitaveis para expressar seu domínio de classe”.
Também no teatro Brecht passa a traçar o caminho que vai dos sonhos à realidade burguesa. Para isso, usa duas vezes uma das mais tradicionais formas teatrais da burguesia: a ópera. Em 1928 estréia A Ópera dos Três Vinténs (Die Dreigroschen oper), adaptada da Ópera dos Miseráveis, de John Gay, e escreve As­censão e Queda da Cidade de Mahagonny (Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny). Na primeira delas traça, além de uma crítica social contundente, uma crítica ao próprio teatro. Destinada ao consumo do público habitual dos teatros, a peça é, segundo Brecht, tanto (. . .) “uma espécie de resumo do que o espectador deseja ver da vida no teatro” (. . .) quanto (. . .) “outras coisas que não desejava ver, como vê seus desejos criticados” (. . .). As­sim, de acordo com essa proposta, a Ópera Mahagonny agiriam como uma espécie de bumerangue, na medida em que receberiam os sonhos da platéia burguesa e os devolveriam imersos numa realidade muito menos rósea.
A partir de Mahagonny, Brecht e seu colaborador, o com­positor Kurt Weill (1900-1950), acabam por criticar a própria ópera como forma estética e rompem definitivamente com o tea­tro tradicional.
Dessa maneira, a obra teatral de Brecht volta a mudar de rumo: ela deixa de destruir o teatro tradicional a partir de seu interior e passa a situar-se fora dele, procurando uma nova forma capaz de por si só levar o espectador a defrontar-se consigo mes­mo e sua própria realidade. Essa mudança pode ser sentida nos textos seguintes do au­tor, que já trazem os germes daquilo que desabrocharia numa expressão teatral completamente nova. A Mãe (Die Mutter, 1933), adaptação teatral do romance de Gorki, e A Santa Joana dos Matadouros (Die Heilige Johanna der Schlachthöfe, 1930) são peças inovadoras na dramaturgia da época. já que, como explica o crítico Bernard Dort: (. . .) “não nos propõem um conflito (como nos dramas clássicos), nem um processo (. . .), mas uma sucessão de contradições: o itinerário de um herói imerso num mundo, que atua sobre este mundo, e é influenciado por ele. Mas a conclusão das duas obras é oposta: em A Mãe, esse itinerário desemboca num final feliz — a revolução e o nascimento de um novo mundo; em Santa Joana, os caminhos evoluem para o desastre: o fracasso de Joana e a recaída em uma situação pior que a situação inicial”.
Nessa época, porém, a situação política alemã piorava sensi­velmente, intensificando-se a permanente crise econômico-institu­cional. Buscando uma expansão economica cada vez maior, os grandes industriais passaram a facilitar a ascensão do nazismo ao domínio do aparelho estatal. Contrapondo-se a esse movimen­to totalitário, que via como uma arma da burguesia alemã, Brecht procurou tornar seu teatro um meio de crítica radical aos valores defendidos pela sociedade da época, expressando, por outro lado, a confusão da classe operária e a traição da pequena burguesia que passara a apoiar os nazistas. Afinal, colocado em uma lista negra por suas idéias, Brecht é obrigado a fugir da Alemanha e a refugiar-se no exterior durante quinze anos. Nesse intervalo, percorre vários países da Europa e os Estados Unidos, escreven­do, além de poemas, textos teóricos e novelas. Nesses anos, de­senvolveu sua teoria do  “teatro épico”.

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