domingo, 29 de janeiro de 2012

DRAMATURGIA EM FOCO: FERNANDO ARRABAL Parte 2


OS CAMINHOS DA LIBERDADE

Fernando Arrabal nasceu em Melilla (Marrocos espanhol), no dia 11 de agosto de 1932. Seu pai, Fernando Arrabal Ruiz, era comunista e foi preso em 1936, durante a Guerra Civil Espa­nhola. Durante seis anos percorreu as prisões de Ceuta, Ciudad Rodrigo e Burgos. Em Ceuta tentou o suicídio; de Burgos, fugiu, e nunca mais foi visto.
Em 1959, na novela autobiográfica Baal-Babilônia, Arrabal refere-se ao pai e à importância que teve em sua vida: “Um ho­mem enterrava meus pés na areia. Era na praia de Melilla. Lembro-me das suas mãos em minhas pernas. Eu tinha três anos. En­quanto o sol brilhava, o coração e o diamante se estilhaçavam em inúmeras gotas de água. Perguntam-me sempre quem mais me influenciou, quem admiro mais, e então, esquecendo Kafka e Lewis Carroll, a terrível paisagem e o palácio infinito, esque­cendo Gracian e Dostoiévski, os confins do universo e o sonho maldito, respondo que foi alguém de quem me lembro apenas das mãos nos meus pés de criança: meu pai”.
Sua mãe, Carmen Teran Arrabal, mulher muito religiosa e devotada rigidamente às obrigações domésticas, envergonhava-se do marido ateu e “vermelho”, omitindo a Fernando e seus dois irmãos todas as informações sobre o marido. Quando Arrabal Ruiz foi julgado, em março de 1937, e condenado a trinta anos de prisão, Carmen não fez o menor movimento no sentido de aju­dá-lo a suportar a prova. Escrevia-lhe cartas duras e reprovativas, que teriam provocado no marido a tentativa de suicídio no presídio de Ceuta. Carmen nunca procurou entender as idéias do ma­rido e guardou consigo a magoa de ter que assumir os filhos sozi­nha, trabalhando e escondendo dos vizinhos que Arrabal Ruiz era um preso político. Chegou-se mesmo a aventar a possibili­dade de que teria sido ela a denunciá-lo à Falange. Em Os Dois Carrascos (Les Deux Bourreaux), o próprio Arrabal sugere a de­lação, mas, em 1956, quando escreveu essa obra, seu rancor con­tra a mãe ainda estava muito vivo.
Em 1941, já vivendo em Madri com os três filhos, Carmen foi informada de que o marido desaparecera da prisão de Burgos. Na noite da fuga, havia mais de um metro de neve na cidade e Arrabal Ruiz, estava vestido apenas com um pijama. Mas nem sua morte nem sua sobrevivência puderam ser provadas. Muitos anos depois, Arrabal tentou localizá-lo, conversando com guardas e alguns de seus companheiros, mas nada conseguiu apurar. Quando foi notificada da fuga do marido,  Carmen reuniu os filhos comunicou-lhes simplesmente que o pai falecera. Aos 16 anos, vasculhando documentos da família, Fernando inteirou-se da verdade e o choque da notícia levou-o a romper com a mãe. Durante cinco anos não falou com ela.
Nessa época, Fernando estava cursando a Academia Mili­tar, na qual ingressara em 1947, convencido pela família a fazer carreira no Exército. Como seu espírito militar era nulo, trocava as aulas por sessões de cinema, empolgando-se com os irmãos Marx e Chaplin. À noite, lia muito: Lewis Carroll, Dostoiévski, Kafka e Proust.A vida era então, segundo ele, terrível.
Baixinho, mordaz, exótico, perambulava pelas ruas e ia acumulando sua raiva de tudo e de todos.   “Odiava a Espanha porque na rua todos caçoavam da minha estatura: odiava minha mãe e minha família porque eram franquistas.” A revelação sobre o pai acelerou sua saída da Academia Militar.
No outono de 1949 partiu para Tolosa, indo trabalhar numa fábrica de papel. Durante dois anos trabalhou, leu, escreveu poe­mas, repensou a vida, sua relação com a família e a religião. Gra­dativamente rompeu as amarras.
Ao voltar a Madri, em 1962, para fazer o curso de direito, a família recebeu-o reticente. Fernando não ia mais a missa, não visitava os padres do colégio de Santo Antão, onde estudara, não se confessava nem comungava. E continuava sem falar com a mãe. A noite, trancado no quarto, escrevia, sabendo que à hora das refeições as tias fariam as zombarias costumeiras:  “Vejam só Fernandito escritor!”
Foi nesse período que escreveu sua primeira peça de teatro, Piquenique no Front (Los Soldados), que ao ser montada em Pa­ris, em 1959, seria considerada por alguns críticos “uma verda­deira jóia surrealista”. O cenário é a guerra. As personagens são um soldado, que recebe no front a visita de seus alienados pais, que ali vão fazer um piquenique, e outro soldado, inimigo, que é feito prisioneiro em pleno lanche. Do confronto entre os horro­res da guerra e a inconsciência dos visitantes e participantes nasce um cômico absurdo, mais notável ainda porque o autor, ao escrever a peça, não conhecia nem os dramaturgos de van­guarda. nem o teatro surrealista.
O    Triciclo (Los Hombres del Triciclo) deu a Arrabal, em 1953, o segundo prémio no Concurso da Cidade de Barcelona e foi a única das suas peças a ser montada na Espanha. Em 1958,   o    Dido Pequeño Teatro de Madrid levou-a à cena sem o menor sucesso. O Triciclo era a primeira peça na qual Fernando Arrabal apresentava uma linguagem, personagens e temas que seriam freqüentes em seu teatro: marginais que infringem inconscientemente uma ordem estabelecida e suas reações trágicas, cômicas ou inocentes, diante de uma realidade incompreensível.
Quando escreveu O Triciclo, Arrabal acabava de descobrir os autores de vanguarda nas montagens tímidas de Josefina Sanches Pedreño. No Dido Pequeño Teatro, essa companhia era a única na Espanha a arriscar alguma coisa de Ionesco, mesmo sabendo que na platéia havia poucos espectadores realmente interessados nesse tipo de teatro. Mas, no árido panorama da vida intelectual espanhola, o Dido era o único lugar onde Arrabal se nutria de esperanças. Era bem possível que sua linguagem teatral, até então inédita, fosse um dia compreendida.
O prêmio por O Triciclo foi uma bolsa de estudos em Paris, onde durante três meses Arrabal poderia estudar teatro. O tempo era muito breve, mas para o dramaturgo estava muito claro que em Madri não havia condições para escrever.
Em 1955, sem saber que estava tuberculoso, concretizou seus planos de partida. A família, inconformada com sua decisão, não lhe deu o menor apoio; na hora da despedida os gritos da mãe foram ouvidos por todos os vizinhos: “Valha-me Virgem Maria! Meu filho há de pagar!”


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