sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

DRAMATURGIA EM FOCO: EDWARD ALBEE Parte 2

CADA TEMPESTADE ANUNCIA OUTRA TEMPESTADE

As obras de Albee decorrem num clima emocional intenso, tempestuoso. E cada nova peça retoma e recria esse clima de tempestade. No entanto, após Quem Tem Medo de Virgínia Woolf? Albee começou a divorciar-se da crítica e do público, iniciando um largo período de fracassos. A Balada do Café Triste (The Ballad of the Sad Café, 1963), adaptação da novela de Carson McCullers (1917-1967) para o teatro, não venceu na comparação com o trabalho anterior de Albee e iniciou o descontentamento do público e da crítica em relação ao dramaturgo.
Em 1964, é encenada  A Pequenina Alice (Tiny Alice), que, embora inicialmente bem recebida pelo público, depois que alguns críticos a acusaram de obscura, começou a perder público progressivamente. E logo o trabalho tornou-se conhecido como a pequena Alice, do pequeno Albee. Nessa obra, a discussão está centrada na essência e na aparência, no real e no imaginário convivendo na sociedade. A desmistificação das instituições, da Igreja, da Lei e da Verdade é conseguida através de uma trama comercial em que um Cardeal contrata Julien, seu jovem secretário, para servir de pagamento numa importante transação entre a Igreja e a misteriosa Alice, a figura feminina da Verdade, de Deus. Esse Deus feminino se servira de Julien para sua satisfação. Introduzindo-o num universo ambíguo como o de .Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, onde o real e o imaginário perdem seus limites e seus contornos. Alice é uma rica e bela senhora que pretende fazer um grande donativo à Igreja, por intermédio de um Homem da Lei. Em toda a trama, filigranada e de difícil compreensão, Albee recoloca em questão alguns dos pilares bási­cos da sociedade ocidental, denunciando a submissão da Lei e da Igreja ao dinheiro, e sua dominação sobre o homem comum, Julien. Quando a ilusão se desvanece, Julien recusa-se a aceitar o real tal como lhe é apresentado –  ele procura a Verdade, a essência. Esse homem comum acaba assassinado pelo Homem da Lei, como o foram outros personagens de Albee, que questio­naram o establishment e sua ideologia. É o inocente que deve ser sacrificado para que tudo fique bem.
O ano de 1966 é repleto de contradições para Albee. Por um lado. Malcolm, adaptação de um romance de James Purdy, é um de seus maiores fracassos, ficando apenas sete dias em car­taz; por outro, com Um Delicado Equilíbrio (A Delicate Balance) Albee conquista o prêmio Pulitzer de 1967.
Malcolm conta a vida de um adolescente de quinze anos cujo pai desapareceu, cabendo à sociedade sua iniciação à vida. Após viver num prostíbulo, convivendo com meretrizes e homos­sexuais, o jovem casa-se com uma cantora de cabaré, ninfômana, e torna-se alcoólatra. No final da peça, Malcolm morre de alcoo­lismo e exaustão sexual, destruído por sua mulher e por toda a sociedade americana com seus mitos.
Em Um Delicado Equilíbrio –  o trabalho mais angustioso e mais triste de Albee –  a situação temática assemelha-se à de Virgínia Woolf: novamente estão reunidos dois casais, um sendo o espelho do outro. Estão em cena ainda duas mulheres, que co­mentam e catalisam a ação. No refúgio do lar, Agnes e Tobias recebem um casal amigo, inesperadamente assaltado por um pro­fundo e inexplicável terror: a irmã de Agnes e Júlia,  filha do ca­sal, após o quarto casamento fracassado.
Albee explora os pólos extremos –  da razão à loucura – em gradações nem sempre sutis. Cada espectador poderá reco­nhecer na peça seus próprios temores e suas crenças. Cada perso­nagem exprime uma imensa tristeza de viver, um grande vazio e um grande medo, escondendo-se de tudo pela loucura, pelo ál­cool ou pela agressão. Nesse refúgio percebe-se o equilíbrio pre­cário das vidas em confronto, cuja desestabilização está sempre presente a partir das interferências do mundo exterior. Trata-se de uma parábola, plena, de metáforas: os casais que se espelham, amigos-inimigos intercambiáveis no decorrer da ação, refugian­do-se em si e na hipocrisia para não enfrentarem as frustrações de cada um diante da realidade.
Em Tudo no Jardim (Everything in the Garden, 1967) Albee volta a atacar a moral e os ideais do american way of life, verniz brilhante que tenta encobrir a inocuidade da vida real, as frustrações emocionais, a castração e a repressão. Tudo vai bem se parece bem, mesmo que as respeitáveis senhoras casadas dediquem-se à prostituição, em nome da melhoria de vida, da aparên­cia de uma existência organizada e confortável. Os maridos são coniventes, mas quando tudo vem a público, estão mais preocu­pados com a manutenção da fonte de renda auxiliar do que com a moral e os preceitos da sociedade puritana em que vivem. Esse trabalho é uma adaptação de Albee de um romance do autor in­glês Giles Cooper.
Em 1968, Albee vem a público com um trabalho experimen­tal, onde musica, ritmo, escultura e linguagem se mesclam e se contrapõem: Box-Mao-Box, peça composta de dois momentos. No primeiro momento – Box – , o único elemento cênico apa­rente é um cubo, representando a ordem do mundo. Em contrapo­sição a ele, uma voz de mulher. Alquebrada, relembra os valores nos quais anteriormente se acreditava e que foram ultrapassados e destruídos. Não é um lamento, apenas um balanço –  feito como uma melodia –  das perdas do homem até a corrupção total; um inventário, onde dois temas se misturam e se reforçam:
a evolução empobrecedora e a exterminação do homem, enquanto ser sensível, enquanto homem total. Após a recitação de Box, o palco se ilumina mais intensamente, desvendando outros elementos cênicos, que transformam o palco num convés de navio. Nele estão o presidente Mao, a Dama de Longo Fôlego, a Velha Pobre e um Pastor Protestante. Assim, são colocados em confronto o futuro, o presente, o passado e o extratemporal — que é a única instância em que nada se tem a dizer durante toda a encenação.
Em 1970, um novo fracasso com Tudo Acabado (All Over). A peça trata das reações da mulher, da amante, dos filhos e do melhor amigo de um homem que está à morte e que não aparece em cena. Todos se referem ao moribundo e. de novo, está em questão a problemática da relação dessas pessoas com aquele ho­mem real ou com a imagem, fictícia, que dele fazem ou faziam.
Em Paisagem Marinha (Seascape, 1975), Albee retoma a problemática da evolução humana e da perda dos valores e senti­mentos fundamentais nesse processo. Mais um fracasso de público e de crítica.
Onde estará aquele Albee que desencadeou a tempestade de Quem Tem Medo de Virgínia Wolff?, logo após Zoo Story? Terá enveredado por caminhos incompreensíveis ou inabsorvíveis pelo público americano? Sua preocupação metafísica se terá tornado tão generalizante que acabou esvaziada e sem força? Lisas perguntas só terão resposta quando uma nova geração se afirmar e nela frutificarem ou não as ultimas experiências de Albee. 


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