quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

DRAMATURGIA EM FOCO: BERTOLT BRECHT Parte 3

O TEATRO ÉPICO 

Brecht sempre partiu do princípio de que o homem é alterá­vel na medida que conduz e é conduzido pelo processo histórico. Encontrar um mecanismo teatral capaz de mostrar ao público seu papel dentro desse processo passa a ser então um objetivo do autor.
lnicialmente, ele se contrapõe a todos os grandes teóricos do teatro clássico tradicional, no qual a ação é o produto de con­flitos de interesses e sentimentos entre as personagens. De acordo com isso, toda ação deveria necessariamente conduzir a um de­senlace, por meio do qual seria estabelecida uma determinada or­dem. Para o filósofo Hegel (1770- 1831), que advogava essas con­cepções, “. . . o conflito principal, aquele em torno do qual gira a obra, deve encontrar no desenlace desta seu apaziguamento de­finitivo. . .” já que  “. . . o público tem o direito a exigir que, de forma trágica ou cômica, a ação dramática culmine na realiza­ção do racional e do verdadeiro em si”.
Para o teatro clássico, todo ele derivado das concepções da poética de Aristóteles (384-322 a.C.), a ação dramática deve ser dirigida à instauração de uma ordem válida para todos e que apresenta um valor simbólico. O palco é a voz e o reflexo da verdade da sala. As obras expressionistas tinham utilizado esse tipo de perspectiva teatral. Ao criticá-las, Brecht afirmou que, ne­las, a ação teatral termina por perder seu valor simbólico em pro­veito de declarações ideológicas individuais que valorizam o par­ticular contra o geral. Para ele, quando os expressionistas falavam do homem em si, procurando simbolizar toda a humanidade num herói, estariam apenas tratando dos destinos de indiví­duos excepcionais.
Mas, por outro lado, existia também outro tipo de dramatur­gia, interessado em dar peso e realidade ao mundo. A ação de suas obras é definida como estritamente sócio-econômica, e o ho­mem nao seria mais nada que o produto da sociedade em que vive. A verdade estaria no palco, pronta para ser aceita ou recha­çada pelo espectador. A opinião de Brecht sobre esse tipo de teatro realista ficou bastante clara quando participou, por volta do ano de 1934, das discussões a respeito do realismo na literatura e a arte engajada na Rússia. Discordando do filósofo Lukács, que defendia o realis­mo como um sistema estético em que a significação política está estritamente ligada ao emprego de certos métodos de expressão, Brecht afirmou que tal concepção pecaria pelo formalismo: o rea­lismo na arte não se colocaria como um conceito artístico ou estético, mas sim como uma exigência política de demonstração da realidade.
Na verdade, ao participar dessas polêmicas, Brecht estava duvidando do valor da representação simbólica de um conflito e da exigência de uma conclusão definitiva no final do drama. Para ele, o importante no teatro era que este retornasse à vida social como uma entidade viva e até contraditória, capaz de conter um valor didático.
Entretanto, esse valor didático não estaria presente simples­mente no conteúdo das obras. Seria necessário também pesquisar a própria forma de representação teatral. De acordo com Brecht, o teatro deveria evoluir, assim como a sociedade — outrora rela­tivamente estática — havia evoluído e perdido a homogeneidade e a estabilidade. Tratava-se então de captar esse processo de mudança e re­constituir as relações entre palco, público e mundo. A partir des­ses dados, Brecht passa a trocar a forma dramática do teatro pela forma épica, não somente no plano da dramaturgia propriamente dita como no da própria representação teatral.
A matéria-prima do teatro épico não é o indivíduo ou a so­ciedade considerados como entidades, mas as relações que os ho­mens mantêm entre si. Assim, Brecht afirma que “o teatro épico se interessa antes de tudo pelo comportamento dos homens entre si, na medida em que esse comportamento apresenta uma signifi­cação histórico-social; dito noutra forma, naquilo que ele tem de típico”. O que aparece não são os sentimentos ou idéias dos in­divíduos, mas aquilo que redunda numa ação.
A noção de conflito, característica no teatro tradicional, é transformada na noção de contradição. As personagens de Brecht não afrontam a sociedade num corpo decisivo e os encontros en­tre personagens fundamentais não levam a explicações definiti­vas. Na verdade, a cadeia dos comportamentos e palavras nunca implica uma decisão.
A peça, no teatro épico, passa a constituir-se numa narrati­va, O espectador deve perder a ilusão de realidade, desmitificar o que ocorre no palco e aceitá-lo como teatro. Assim, afirma Brecht a propósito da montagem da Vida de Galileu (Leben des Galilei, 1937): . . . “a decoração do palco não deve ser de molde a fazer o público julgar que se encontra num quarto da Itália medieval ou do Vaticano, O público deve ser mantido na convic­ção de que se encontra num teatro”.
A essa concepção de texto e encenação acrescenta-se uma noção de interpretação, inspirada nos espetáculos chineses vistos por Brecht em Moscou. Interessando-se pelo jogo estético do tea­tro oriental, carregado de uma simbologia facilmente compreen­dida em seu local de origem, Brecht viu no distanciamento criado entre palco e platéia uma forma de trabalho aplicável no teatro do Ocidente. E criou um outro tipo de distanciamento, o Verfrem­dungseffekt, ou seja,  “. . .  novos efeitos destinados a retirar o selo familiar de acontecimentos suscetíveis de serem modificados pela sociedade”.
Distanciar não significa alijar o ator da personagem, o palco do espectador. Brecht propõe uma nova forma de compreensão e colaboração. O distanciamento, no teatro épico, resultaria da intervenção de todos os níveis de representação teatral. Mas o principal seria a perfeita adequação do ator: “para o ator é difícil e cansativo provocar em si, todas as noites, determinadas emoções ou estados de alma; em contrapartida, é mais fácil reve­lar os indícios externos que acompanham e denunciam essas emo­ções (. . .). O efeito de distanciamento não se apresenta como uma forma despida de emoções, mas, sim, sob a forma de emo­ções bem determinadas, que não necessitam encobrir-se com as das personagens”.

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