No último domingo, dia 17 de outubro, tivemos em Montenegro a presença do Grupo Caixa Preta de Porto Alegre, em uma apresentação relâmpago na cidade. Tratava-se de um ensaio aberto do seu mais novo espetáculo "Mãe Coragem", livremente inspirado na obra "Mãe Coragem e seus filhos" de Bertold Brecht. Este é o primeiro trabalho do grupo direcionado para a rua, sendo que anteriormente já explorou o palco convencional e espaços alternativos com seu espetáculo de maior projeção "Hamlet Sincrético". Assisti ao trabalho que originou o Caixa preta em 2003, a peça era "Transegun", um diálogo com a questão da negritude por meio de uma estética que retoma elementos da cultura negra. Dirigida por Jessé Oliveira, provocou em mim um misto de encantamento e gozo diante daquela história, mas mais do isso, pois eu vivenciava ali o nascimento de um projeto de resgate da obra dramatúrgica de autores afro-descendentes. Somente este fato já me alegrava, pois assim como aqueles artistas negros (da narrativa e da "vida real") que agora estavam no centro das atenções, dando voz aos seus anseios, eu, que também sou um artista negro, também poderia me expressar daquela forma. Passei a ter o Grupo Caixa Preta e seu diretor como referencia para a criação do meu trabalho em teatro, tanto que o meu trabalho de conclusão no curso de teatro tratei justamente do papel do negro na sociedade atual, da valorização da negritude. Bom, depois de Transegun, vieram as seguintes montagens: HAMLET SINCRÉTICO (2005), baseado na obra de William Shakespeare; o monólogo MADRUGADA, ME PROTEJA (2007), de Cuti, protagonizada pelo ator Silvio Ramão; ANTÍGONA BR (2008), vencedor do Prêmio Myriam Muniz, da FUNARTE; O OSSO DE MOR LAM (2010), do autor senegalês Birago Diop, estes realizados sob direção de Jessé Oliveira.
Transcrevo tudo isso para falar um pouco do novo trabalho do Grupo : MÃE CORAGEM. Os comentários que eu farei a seguir serão baseados no ensaio aberto realizado em Montenegro, sendo que a peça estreiou somente hoje, 24/10, mas creio que através deste, poderei estar contribuindo para o trabalho dos colegas do Caixa Preta.
O espetáculo de rua “Mãe Coragem”, livremente inspirado na obra “Mãe Coragem e seus filhos”, de Bertolt Brecht vem somar mais uma página no histórico deste grupo, tratando-se da primeira experiência na rua. No elenco, estão: Diego Neimar, Gil Colares, Lucila Clemente, Ravena Dutra, Rielle Dutra, Silvia Duarte e Silvio Ramão. A montagem tem a direção cênica do colombiano Javier Moná Lapeira, especialmente convidado para dirigir esta encenação. Esta proposta foi vencedora do I° Prêmio Nacional de Expressões Culturais Afro-brasileiras, importante iniciativa do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Osvaldo dos Santos Neves e Fundação Palmares, instituição vinculada ao Ministério da Cultura, com patrocínio da Petrobras. Em seu novo trabalho, o Caixa-Preta se lança a novos desafios: trabalha com um novo diretor e investiga um outro espaço de encenação, a rua.
Nesta peça os atores se revezarão na atuação dos diversos personagens, cada qual oferecendo sua própria maneira de interpretação, a partir de suas experiências e vivências pessoais. Baseado neste revezamento, o destaque vai para o ator Gil Colares, que além de interpretar a melhor versão da Mãe Coragem, consegue se adaptar facilmente aos seus demais personagens, sendo que todos eles tem uma pitada brasileira na interpretação, diria baiana, um sotaque, que aproxima o público da peça. Destaco também a atriz Silvia Duarte, que tem um uma presença maravilhosa, além de um carisma natural, necessário ao teatro de rua, gostei muito da sua construção da personagem Catarina (Katrin) e das demais personagens. Destaco também a atriz Ravena Dutra, que sem dúvidas é uma das melhores atrizes de sua geração, onde acompanho o seu trabalho desde o tempo das oficinas da Terreira da Tribo, e conhecendo o seu trabalho, diria que em alguns personagens ainda está rígida demais, séria demais, podendo estar um pouco mais livre em cena. Rielle é a mais simpática de todos, tem bons momentos, mas teatro não é só simpatia. Silvio é correto não se permitindo ousar mais nas variações de personagem e Diego e Lucila são bastante rasos em suas construções, ficando somente no texto e nas marcas, não aproveitando os momentos que a própria rua lhes oferecia, falta muito jogo ainda, mas creio que com o tempo o grupo acerta no ritmo, sendo que este foi o seu ensaio aberto, o primeiro contato com o público, a primeira experiência com figurinos e cenários, enfim.
Sobre a concepção do espetáculo, penso que esta mistura de Brasil (Grupo Caixa Preta), Alemanha (Brecht), África ( elementos da cultura Afro) e Colômbia ( Diretor Javier Moná) poderia render ou num espetáculo rico,colorido, múltiplo e repleto de simbologias e referencias destas matrizes ou numa grande confusão de idéias e estéticas. Creio que a adaptação ficou confusa, as trocas de personagens ficou muito obvia, pois quando eu vi que o 3º ator trocou de personagem e foi fazer a Mãe Coragem, pensei puxa, todos passaram pela personagem título, daí ficou previsível demais, e as trocas eram sempre iguais, a mesma idéia, a mesma forma, com dialetos e músicas em alemão e simbologias afro, creio que faltou uma liga para tudo isso, e também faltou um pouco de direção aos atores, que muitas vezes evidenciam em cena que tiveram grande liberdade de criação, faltando um pulso forte da direção, talvez uma marca que me revelasse a poética do diretor, que imprimisse no espetáculo a sua autoria. Acredito que ao longo do tempo o espetáculo ganhará, e muito e com certeza virá a ser uma referencia no teatro de rua de Porto Alegre, mas para chegar a isso, falta ajustar a unidade e coesão do grupo diante da magnitude deste tipo de concepção, acertar na triangulação com o público e fazer uma maior distribuição no espaço e que os atores possam se entregar em maior intensidade ao espetáculo, seguindo os passos de Gil Colares, ao meu ver o melhor em cena, mesmo sendo um ensaio aberto, ou seja, apostou e se entregou mesmo não sendo uma apresentação oficial. Saliento que um dos pontos positivos foi a utilização do cenário, uma "Kombi" adaptada, fazendo-se de carroção da Mãe Coragem, e sendo bem utilizada como espaço da encenação, onde os atores utilizam o espaço interno, externo e em cima, e ainda fazendo o papel de guarda-roupas e adereços da encenação, contribuindo para uma encenação rica plasticamente, tanto nos adereços quanto nos figurinos.
No realese de divulgação o diretor descreve que “Em Brecht, o tom da encenação é dado pela voz”, explica ele. “Utilizo a técnica do pregão, o que também remete a uma prática do universo africano. Na prática, os atores criam um sotaque próprio para os personagens e para as diferentes atmosferas propostas. Estamos nos arriscando, mas está na hora de quebrarmos alguns conceitos. O teatro precisa reencontrar sua raiz popular”, diz. Concordo com a sua teoria, mas na prática, a utilização deste sotaque afasta um pouco esta idéia de reencontro com a raiz do teatro popular, pois o público fica um pouco desnorteado, sem chão, não conseguindo acompanhar a narrativa da peça, fica confuso, difícil de realizar uma leitura imediata, não gosto da idéia de que o público deva receber tudo de maneira direta, mastigada, mas na rua, acredito que o teatro deve ter uma adesão imediata do transeunte, pode-se falar de tudo, política, guerra, conflitos, amor ou seja lá o que for, mas de modo articulado, claro e direto, pois, senão corre-se o risco de perder o alvo, ou seja, o público, o que acontece em muitos momentos da peça. Gosto de grupos que se arriscam em suas propostas e idéias, mas creio que neste caso o grupo se arrisca sim, mas não chega a criar, quebrar ou ultrapassar nenhum conceito, seja na concepção, seja na prática, teorias ou conceitos. Mas temos que louvar sim, idéias como estas, de transformar e arriscar na adaptação de clássicos transpondo-os a outros territórios. E o território do Caixa Preta é este, de aproximar textos clássicos a cultura negra e afro-brasileira. Talvez esteja na hora de o grupo arriscar a transitar em outros territórios, sem negar a sua raiz e histórico, ousando nas criações, trazendo uma poética em que o negro seja o foco sempre, mas inovando na forma e nas referencias, mas ousando experimentar outros territórios, pisando em ovos, senão o que pode acontecer é de estas experiências se tornarem cristalizadas, pois não adianta mudar o texto, o mote e o enredo das encenações, se mantiverem sempre o mesmo foco e estilo de encenação.
Este é um comentário sobre o "ensaio aberto" do devido espetáculo, portanto, tudo o que foi pontuado acima, trata-se somente sobre o ensaio, gostaria muito de rever o espetáculo, para ver a evolução natural que com certeza acontecerá. Ao grupo Caixa Preta fica a nossa admiração e que mantenham viva esta vontade de transformar a realidade, despertando em seu público um olhar diferenciado sobre as diferenças.
FICHA TÉCNICA
Mãe Coragem
Livremente inspirado na obra “Mãe Coragem e seus filhos”, de Bertolt Brecht
Dramaturgia
Grupo Caixa-Preta
Elenco
Diego Neimar - Gil Colares - Lucila Clemente - Ravena Dutra - Rielle Dutra
Silvia Duarte - Silvio Ramão
Direção
Javier Moná Lapeira
Direção musical
Luiz André da Silva
Preparação corporal
Vivian Narvaez
Figurinos e cenários
O Grupo
Fotos
Kiran Federico León
Assessoria de Imprensa
Silvia Abreu
Produção
Grupo Caixa-Preta
Patrocínio
Petrobras – Lei de Incentivo à Cultura – Ministério da Cultura
Realização
Cadon – Centro de Apoio ao Desenvolvimento Osvaldo dos Santos Neves
Fundação Cultural Palmares
Grupo Caixa-Preta
SERVIÇO
O QUÊ: Estréia de “Mãe Coragem”, com o Grupo Caixa-Preta: Diego Neimar, Gil Colares, Lucila Clemente, Ravena Dutra, Rielle Dutra, Silvia Duarte e Silvio Ramão. Direção: Javier Mona Lapeira
QUANDO? Dia 24 de outubro, ás 11h, no Brique da Redenção.
ONDE? Dia 24/10/10, domingo, às 11h, no Brique da Redenção. Porto Alegre
QUANTO? Entrada franca
CONTATOS COM O GRUPO: (51) 93022833 (Silvia) / (51) 91220222 (Silvio)
Valeu Diego!!! Concordo com você em muitos pontos e a peça segue trabalhando para essas melhorias que apontaste. Um grande abraço!!!
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