quinta-feira, 10 de maio de 2012

DIÁLOGOS PARA ESCAPAR por CÁSSIO AZEREDO


O Blog Válvula de Escape, segue com a série de entrevistas com diversos profissionais das Artes Cênicas do estado e do Brasil, dentro do projeto "DIÁLOGOS PARA ESCAPAR". Projeto que pretende utilizar este espaço para deixar escapar a voz dos arquitetos da cena atual. E nesta edição, postamos a entrevista de Cássio Azeredo, realizada via e-mail por Diego Ferreira. Cássio Azeredo é diretor do Teatro do Clã e sócio da Marca Produções. Ator e professor de teatro no projeto Fábrica de Sonhos, graduado em Teatro na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul. 


Como o teatro surgiu em sua vida?
Geralmente as pessoas tem uma resposta romântica para esta questão... A minha é bem comum e sem graça, como são algumas coisas boas da vida. Sempre gostei de arte. Na escola estive a frente de iniciativas culturais, e estar em grupo sempre foi uma prática. Mas o primeiro contato se deu a partir do convite de uma colega para fazer um curso de iniciação teatral que estava sendo oferecido aqui em Montenegro, na Cia de Teatro Tio Tony. De lá pra cá, essa experiência foi se intensificando e passando por várias etapas: inicialmente o sonho, os passos iniciais, uma possibilidade real, a atividade docente, uma oportunidade profissional, a Graduação em Teatro, o grupo profissional e tudo mais. Ainda não sei se é isso que eu quero pra mim, mas já estou com essa dúvida há 11 anos.

  Teatro do Clã: Contextualize e divida conosco a idéia de formar um grupo, o histórico e dos projetos atuais e futuros.
A criação desse grupo é o resultado natural de uma busca incessante por um trabalho consistente em arte. Uma busca minha e também do meu parceiro de caminhada, Marcos Cardoso. Acho que o Clã é uma porta aberta que dá passagem para essa vontade que já existia em potência dentro de nós.
Por muito tempo priorizamos nossa atividade docente. Ela sempre foi e ainda é muito gratificante, mas é também uma experiência limitada, pois o processo com os alunos tem um caráter cíclico que não nos permite aprofundar. Também brincamos que esse grupo é “uma desculpa esfarrapada pra juntar um monte de gente legal em prol de um objetivo comum”.
São muitos projetos que nos inspiram atualmente. Primeiramente queremos seguir com o Rei Cego, aprofundando e nos desafiando dentro dessa proposta, além de continuar o treinamento pessoal que estamos desenvolvendo. Paralelo a esse trabalho artístico temos uma preocupação muito grande em viabilizar nossas produções, formar nosso público, estabelecer nossa sede e nos consolidar enquanto grupo.
O Rei Cego - Elenco e Diretor- Foto: Jenifer Berlitz


 Como é o processo de trabalho do Teatro do Clã?
Acredito que o processo no Clã ainda não “é”. Ele está sendo construído constantemente. Contudo é possível apontar algumas linhas gerais. Temos uma divisão do grupo em duas esferas que se complementam e se contrapõem a todo instante. Uma diz respeito ao trabalho artístico/criativo. Que compreende treinamento, pesquisa e montagem de espetáculos. A outra esfera, chamamos de “institucional” que é a produção, divulgação, projetos, vendas, enfim, a esfera da viabilidade das nossas produções. Obviamente o trabalho artístico é o centro das nossas inquietações, porém sem um olhar sério e inovador sobre a viabilidade, o nosso fazer artístico permanece preso. Repito inúmeras vezes que também compete ao artesão criar as ferramentas necessárias para qualificar a sua criação.
Quanto ao processo de trabalho pratico temos alguns princípios que nos guiam, porém estamos em busca de uma poética que nos identifique e nos sustente. Algumas possibilidades são inspiradoras como a musicalidade, a teatralidade assumida, o trabalho coletivo e o resultado estético sustentado por uma pesquisa intensa. Quanto ao Rei Cego, ele é resultado direto de um processo de colaboração e criação em grupo. Ele foi um esboço, uma forma inicial que aos poucos foi ganhando cor e expandindo a própria forma. A criação de matrizes pré-expressivas (continuação da minha pesquisa de TCC) e mais recentemente a inspiração nos princípios da biomecânica nos auxiliaram nessa criação.

Quais os pontos positivos e negativos em se produzir teatro no interior do estado?
Tenho duas visões quanto a esta questão. A primeira é que “teatro é teatro em qualquer lugar” e que estas limitações geográficas não devem ser empecilhos ao processo. Até porque acredito que o mais difícil no trabalho com teatro é encontrar bons parceiros para suar a camiseta e isso independe do lugar em que se está inserido.
Por outro lado, sei que as oportunidades são maiores para quem produz nos grandes centros. Além disto, há um pré-conceito com o que é produzido fora da capital, embora as universidades (UERGS, UFSM e agora em Pelotas) estejam contribuindo para desmistificar esta questão.
Um exemplo dessa situação é que recentemente fomos impedidos de concorrer ao Prêmio Tibicuera de Teatro Infantil por estarmos legalmente registrados em Montenegro e por “não pertencermos ao circulo porto-alegrense”. E o mais paradoxal é que estávamos realizando temporada em Porto Alegre, dentro de um teatro municipal, com pessoas da equipe residindo na capital. Sabemos que o prêmio é promovido pela prefeitura de Porto Alegre para incentivar os artistas locais, mas entendemos que esse pensamento vai na contramão da efervescência cultural que está surgindo com os grupos do interior do estado e principalmente por Porto Alegre tratar-se de um grande centro que abriga artistas de diferentes cidades.


 Em 2011, eu assisti ao trabalho de vocês “O Rei Cego” e escrevi minhas impressões. Desde lá, percebo que vocês estão em constante trabalho e reciclagem na manutenção do espetáculo. Na ocasião escrevi: "O Rei Cego é um trabalho digno de aplausos, um dos destaques da cena gaúcha, que ainda vai dar muito que falar, pela profissionalização, criatividade e entrega do coletivo. Escrevam o que estou dizendo, este trabalho vai estar nas principais mostras de teatro do País”.  Algum tempo já se passou, e isto vem se concretizando. Na tua opinião, quais são os fatores que auxiliam na manutenção e visibilidade que o espetáculo vem ganhando?
Suor, insistência e renúncias seriam pistas iniciais para apontar uma possível resposta. Acho que um pouco de egoísmo também. O Rei foi criado para satisfazer uma vontade nossa. Queríamos um teatro que fosse interessante para nós, antes de querer que ele significasse para mais alguém. Como dificilmente ficamos satisfeitos, essa busca constante nos move em busca de lugares novos o tempo todo. Acho que a preocupação do grupo enquanto instituição tem sido outro fator determinante nesta questão.

    Cássio, você se desdobra em muitas funções: ator, diretor, professor, produtor, pai, iluminador, etc. Sei que não tem como separá-las, mas se você tivesse que escolher uma só, em qual situação você se realiza mais? Fale um pouco sobre cada função e a MARCA Produções. 
Confesso que por vezes esse “vendaval” de funções ainda me assusta e me impede de aprofundar algumas questões. O que me consola é perceber que as essências estão conectadas e convergem para o mesmo lugar. Cada função tem seu sabor, e estou aprendendo a não apressar as coisas e aproveitar com intensidade a experiência do momento. Quero atuar. Meu ultimo trabalho foi o Mendigo e o Cachorro inspirado no texto do Brecht, trabalho resultante do meu TCC. De lá pra cá eu tenho só dirigido e isso me dá muito prazer, porém subir no palco está me fazendo falta.
A Marca Produções Culturais é a casa dos nossos projetos e existe como ferramenta para a viabilização das nossas produções. Administrar a empresa dá bastante trabalho, mas é outra aprendizagem que apesar de ser chata e burocrática, me motiva na medida em que sei que toda esta organização reflete diretamente na viabilidade do produto artístico.

     Duas questões: Como você vê o papel da crítica e como você recebe as premiações, se puder divida conosco os prêmios já recebidos por ti e pelo grupo, e como estes prêmios redimensionam a tua carreira? 
Compactuo com a ideia do Fabinho (Fábio Castilhos), quando ele diz que os prêmios trazem um selo de legitimidade para o trabalho. Ganhei sete prêmios como melhor direção em festivais nos últimos dois anos. Isso motiva, mas não é o que move de fato. O que estamos conseguindo com o Rei, o retorno do público, o carinho que recebemos por onde passamos são bem mais significativos.
Quanto ao papel da crítica, eu acho um ato extremamente generoso quando feita com responsabilidade. Alguém que dedica um pouco de seu tempo/conhecimento para falar sobre nosso trabalho merece ser ouvido com carinho e atenção. Lidamos muito bem com isso.
O Rei Cego. Foto: Jenifer Berlitz

    E o Teatro-Educação? Relate um pouco sobre tuas experiências junto ao projeto Fábrica de Sonhos e como tens acompanhado a trajetória dos alunos, desde a entrada, a permanência e saída? Como ocorre essa transformação através da arte-educação na vida dos teus alunos?
A Fábrica de Sonhos em pouco tempo já é um projeto consolidado. Hoje atendemos 500 alunos divididos em cinco cidades. Criamos a Fábrica para ser um projeto “pequeno e precioso”, lugar onde reverberam as descobertas do grupo profissional (Teatro do Clã). Dentro da nossa metodologia, temos diversos módulos de trabalho que vão desde os primeiros passos até o experimento de linguagens específicas. Atendemos desde crianças na pré-escola até “meninas de terceira idade”. Transitamos entre duas abordagens principais: a essencialista e contextualista. Ora privilegiando o fazer teatral, ora utilizando-se do teatro como um meio para a formação do indivíduo e ainda trabalhando com as duas possibilidades juntas.
O aluno que tem um contato com a arte teatral acaba por ter uma visão diferenciada de mundo e a partir desta vivência transita do papel de expectador para um ser ativo na sociedade em que está inserido. Além disso, acredito que ele aprende a gerir conflitos a partir da compreensão das diferenças do outro, diferenças estas que são geradoras dos grandes problemas da sociedade atual. Felizmente hoje temos alunos que estão ingressando na universidade, e também que estão trabalhando diretamente conosco, alguns grupos como o GFAC – Grupo Farroupilha de Artes Cênicas vem desenvolvendo um trabalho bastante consistente e caminha para a profissionalização.

  O que te faz ESCAPAR tratando-se de teatro?
Envolver-se e apaixonar-se num processo criativo.

 Quais espetáculos têm assistido? Como você enxerga a atual situação das artes cênicas no Rio Grande do Sul?
Assisti a dez peças teatrais nos últimos dois meses. Destaco Nossa vida não vale um Chevrolet com direção de Adriane Mottola, O Fantástico Circo teatro de um homem só, da Cia Rústica e Tartufo do grupo Farsa. O estado tem uma produção diversificada e alguns grupos com trabalhos de muita qualidade e que são referências como o Teatro Torto, UTA, Santa Estação, Terreira da Tribo entre outros. O grande desafio é contribuir para a criação de um sistema que consiga dar melhores condições de circulação aos grupos para que as produções não fiquem restritas apenas a sistema de financiamentos públicos e editais.

 Quais as expectativas com as apresentações do Rei Cego no Palco Giratório e circuito Teatro a Mil do SESC?
Que estas apresentações abram muitas portas para novos projetos e que sejam um momento prazeroso para aqueles que optaram em dividir conosco parte do seu tempo.

  Gostaria de compartilhar mais alguma coisa, pensamento ou idéia neste espaço? Fique a vontade.
Agradecer pelo espaço e pelo trabalho que vens desenvolvendo através do seu blog (que é uma referência em teatro) e pela parceria que ao longo do tempo estamos mantendo. Foi um exercício interessante refletir sobre a nossa prática, e compreender melhor alguns conceitos que nos eram escuros.
Queria ainda compartilhar o endereço do nosso site www.marcaproducoes.com.br para que conheçam nossos projetos.

Finalizo com um pequeno trecho do texto de Peter Brook que tem sido uma inspiração:

“Nunca acreditei em verdades únicas.
Nem nas minhas nem nas dos outros. (...)
Mas descobri que é impossível
viver sem uma apaixonada e absoluta
identificação com um ponto de vista”.

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